Dossiê

Análise da Investigação Criminal

Investigative Reasoning: rational analysis of criminal investigation according to Game Theory

Razonamiento Investigativo: análisis racional de la investigación criminal según la Teoría de Juegos

André Luiz Bermudez Pereira Luiz Bermudez Pereira
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil, Brasil

Análise da Investigação Criminal

Revista Brasileira de Ciências Policiais, vol. 14, núm. 11, 2023

Academia Nacional de Polícia

Recepción: 22 Julio 2022

Aprobación: 30 Agosto 2022

Resumo: A investigação criminal se apresenta como um processo para a descoberta de possíveis crimes. A atuação investigativa no Brasil se opera por intermédio da Polícia Judiciária, responsável pelo levantamento de provas da materialidade delitiva e indícios de autoria, sendo os atos investigativos presididos pelo Delegado de Polícia. A figura do gestor da investigação criminal, além das responsabilidades atinentes à função de chefia e liderança ocupada na estrutura administrativa da polícia investigativa, tem a missão de conduzir o processo investigativo com cientificidade, racionalidade e estratégia. A adoção de lógica nos processos decisórios relacionados às linhas de investigação (hipóteses iniciais) a serem seguidas deflagra a cadência de atos relacionados ao levantamento de informações sobre a prática do crime. O olhar estratégico para a execução de diligências passa pela perspectiva de que a investigação criminal é um jogo de interesses entre atores (investigadores, vítimas, testemunhas, investigados). Nessa senda, a teoria dos jogos se apresenta para auxiliar na estruturação do pensamento estratégico na investigação criminal, apresentando ferramentas que auxiliam o tomador de decisão a refletir racionalmente e de forma planejada. A estruturação do pensamento científico na investigação criminal aliado à noção de necessidade de planejamento estratégico se apresentam como estruturas imprescindíveis para o desenvolvimento de uma investigação criminal eficiente.

Palavras-chave: investigação criminal, mentalidade investigativa, raciocínio lógico, ; método abdutivo, ; teoria dos jogos.

Abstract: The criminal investigation is presented as a process for the discovery of possible crimes. Investigative action in Brazil is operated through the Judiciary Police, responsible for collecting evidence of criminal materiality and evidence of authorship, with investigative acts being presided over by the police chief. The figure of the criminal investigation manager, in addition to the responsibilities related to the leadership and leadership role occupied in the administrative structure of the investigative police, has the mission of conducting the investigative process with scientificity, rationality and strategy. The adoption of logic in the decision-making processes related to the lines of investigation (initial hypotheses) to be followed triggers the cadence of acts related to the collection of information about the practice of crime. The strategic look at the execution of diligences involves the perspective that the criminal investigation is a game of interests between actors (investigators, victims, witnesses, investigated). In this way, game theory presents itself to assist in the structuring of strategic thinking in criminal investigation, presenting tools that help the decision maker to reflect rationally and in a planned way. The structuring of scientific thinking in criminal investigation allied to the notion of the need for strategic planning are essential structures for the development of an efficient criminal investigation.

Keywords: criminal investigation, investigative mindset, ; logical reasoning, ; abductive method, ; game theory.

Resumen: La investigación criminal se presenta como un proceso para el descubrimiento de posibles delitos. La acción investigativa en Brasil es operada a través de la Policía Judicial, responsable de la recolección de pruebas de materialidad delictiva y pruebas de autoría, siendo presididas las actuaciones investigativas por el jefe de policía. La figura del jefe de investigación criminal, además de las responsabilidades relacionadas con la dirección y el rol de dirección que ocupa en la estructura administrativa de la policía de investigaciones, tiene la misión de conducir el proceso investigativo con cientificidad, racionalidad y estrategia. La adopción de lógicas en los procesos de toma de decisiones relacionadas con las líneas de investigación (hipótesis iniciales) a seguir, desencadena la cadencia de actos relacionados con la recolección de información sobre la práctica del delito. La mirada estratégica a la ejecución de diligencias implica la perspectiva de que la investigación criminal es un juego de intereses entre actores (investigadores, víctimas, testigos, investigados). De esta forma, la teoría de juegos se presenta para auxiliar en la estructuración del pensamiento estratégico en la investigación criminal, presentando herramientas que ayuden al decisor a reflexionar de forma racional y planificada. La estructuración del pensamiento científico en investigación criminal aliada a la noción de la necesidad de una planificación estratégica son estructuras esenciales para el desarrollo de una investigación criminal eficiente.

Palabras clave: investigación criminal, ; mentalidad investigadora, ; raciocinio lógico, ; método abductivo, ; teoría de juego.

1 - INTRODUÇÃO

A persecução criminal se conceitua, tradicionalmente, como o procedimento pelo qual o Estado exerce o jus puniendi em face à transgressão na esfera penal, seguindo um rito predefinido por lei e em respeito aos direitos e garantias individuais do devido processo legal. O exercício do direito de punir por parte do Estado é disciplinado pelo Código de Processo Penal, que divide o rito em duas fases distintas: a investigação preliminar e a ação penal.

Acerca do conceito de persecução criminal, David Queiroz (2017, p. 19) entende tratar-se de “um juízo progressivo de formação de culpa que se afigura imprescindível para que a pena abstratamente prevista no preceito secundário do tipo penal seja aplicada a um caso concreto”. Para o referido autor, o início das investigações é marcado pelo surgimento de um juízo de possibilidade, transmutando-se ao final da fase preliminar e no início da ação penal por um juízo de probabilidade. Por fim, após a instrução, firma-se um juízo de convencimento por parte do julgador, manifestado pela sentença penal.

Insta destacar que o início da persecução criminal se firma pelo levantamento de informações referentes à prova da materialidade do delito praticado e seus indícios de autoria. Portanto, nessa primeira fase o Estado tem por objetivo angariar elementos informativos de fato criminoso indicado em notitia criminis se utilizando de técnicas específicas para tanto, com o objetivo de fundamentar futura ação penal ou excluir responsabilidade penal, bem como justificar a instauração da justiça negocial (ROSA, 2018). Configura-se, portanto, em um triplo viés: acusatório, defensivo e negocial.

Assim, diante da multiplicidade de universos processuais penais simultâneos, mostra-se imprescindível analisar a estratégia adotada na fase de investigação criminal, em especial no inquérito policial.

Nesse sentido, observa-se que o sistema de investigação criminal decorre da aplicação de táticas para se chegar ao desvelamento do fato oculto (BERMUDEZ, 2021), cujas execuções devem observar o devido processo legal substancial (GIACOMOLLI, 2011), na medida em que vão influenciar, sobremaneira, a condução e o resultado da ação penal.

Isto posto, o problema do presente ensaio teórico diz respeito em como se opera a análise racional em uma investigação criminal segundo a teoria dos jogos, tendo como hipótese a perspectiva de que a teoria dos jogos auxilia estrategicamente a análise racional em uma investigação criminal. Assim, tem-se por objetivo analisar os conceitos da investigação criminal, sua condução e as funções do presidente dos atos investigativos, bem como compreender a mentalidade investigativa e o raciocínio lógico na resolução de crimes, traçando um paralelo com as estratégias de atuação apresentadas pela teoria dos jogos.

2 - CONCEITO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Eliomar da Silva Pereira (2019) apresenta problemas empíricos e conceituais da investigação criminal em razão da tradição relacional entre polícia judiciária e Poder Judiciário. Para o referido autor, a tradição jurídica promove a limitação do conceito de investigação criminal à busca de materialidade delitiva (prova de que o crime de fato existiu) e indícios de autoria, desprendendo-se da complexidade da análise dos fatores criminais relacionados a critérios subjetivos, materiais e normativos da prática delitiva. Outrossim, o autor assevera que a metodologia de investigação sofre estreitamento conceitual para tão somente a descrição formal do procedimento legal desenvolvido durante a atividade de investigação, não se atentando para a complexidade do fenômeno do crime e a legitimação das provas produzidas.

Para além, a tradição jurídica vincula o raciocínio investigativo à sequência de ações formalizadas por atos burocratizados em uma verdadeira mimetização do Poder Judiciário. Tal perspectiva ganha força diante de um Código de Processo Penal que traz a regulamentação da atividade investigativa com regras da década de 40, em um verdadeiro descompasso com as novas tecnologias e com a vivência investigativa da era da informação.

Da mesma forma, de maneira crítica, o autor apresenta a conceituação da investigação criminal segundo a tradição policial brasileira sob enfoques muito semelhantes ao acima explanado, concentrando sua atenção à legitimação dos atos investigativos ao mero cumprimento das formalidades legais (PEREIRA, 2019). Tal perspectiva não se coaduna com a complexidade das dinâmicas investigativas e dos objetivos derradeiros de uma investigação criminal. A investigação criminal, pois, relaciona-se à pesquisa de determinada notícia de crime, reunindo informações relacionadas ao evento, com o objetivo de desvelar não somente a autoria e materialidade, mas todo o complexo de circunstância que envolvem o delito e sua autoria.

Nesse aspecto, pode-se conceituar a investigação criminal como um processo racional de gestão da informação (JEROME, 2020), essencialmente pragmático e zetético (PEREIRA, 2019), consubstanciado em uma pesquisa estruturada (FERREIRA; FERREIRA, 2013) calcada em metodologias próprias (BRAZ, 2009) para descobrir, coletar, verificar e considerar pistas de várias fontes de informação (FAHSING, 2016) direcionadas para a produção do conhecimento (NORDIN; PAULEEN; GORMAN, 2009) a fim de promover a reconstrução histórica de um fato criminoso (GOTTSCHALK, 2016), respondendo os seguintes questionamentos acerca do delito: o quê, quem, quando, onde, como, por quê e com que meios (BARBOSA, 2014).

3 - PRESIDÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

O artigo 144 da Constituição da República elenca os órgãos de segurança pública no Estado Democrático de Direito, indicando que cabe às Polícias Civis e Federal a apuração de infrações penais e sua autoria.

Assim, o constituinte estabelece órgãos estatais com a missão precípua de investigação criminal, tendo como orientação de atuação o Código de Processo Penal, os tratados internacionais de direitos humanos e, evidentemente, a própria Constituição da República. Nesse diapasão, cabe às Polícias Judiciárias o início da persecução criminal, devendo pautar suas ações em respeito aos preceitos constitucionais e humanitários (CORDEIRO, 2016).

A busca por provas da materialidade delitiva, indícios de autoria e circunstâncias do crime praticado se dá, pois, por intermédio de processo administrativo nominado inquérito policial. Nesse ponto, o artigo 4º do Código de Processo Penal e o §4º do art. 144 da Constituição da República, alinhados com os artigos 2º e 5º, ambos da Lei 12.830/13, indicam que tal atribuição cabe ao presidente do inquérito, ou seja, ao Delegado de Polícia.

O inquérito policial é, pois, o instrumento por meio do qual o Delegado de Polícia irá reunir elementos informativos e probatórios decorrentes da realização de diligências investigatórias previstas na legislação processual penal, seja no Código de Processo Penal ou nas leis esparsas que regulam o tema, como a lei de interceptação telefônica, lei de lavagem de dinheiro, lei de combate às organizações criminosas ou outras tantas.

Portanto, deve o Delegado de Polícia, utilizando-se de critérios técnico-jurídicos, conduzir a investigação criminal valendo-se dos meios menos gravosos, procurando efetuar diligências que “afetem com menos intensidade direitos fundamentais do investigado. Por essa razão, toda a investigação que atenda esses preceitos se converte em inquérito policial como procedimento investigatório legítimo, necessário, correto e justo” (CORDEIRO, 2016).

4 - FUNÇÕES DO SIO EM UMA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

A função de gestão da investigação criminal se dá a partir da reforma do Código de Processo Penal em 1841 com a criação da Polícia Judiciária e os “chefes de polícia”, podendo estes designar autoridades locais para o exercício da função da chefia de polícia de maneira delegada. Nessa senda, criaram-se os cargos de Delegados e Subdelegados de polícia (BARBOSA, 2014).

A função do Delegado de Polícia, para além da presidência da investigação criminal, possui características de gestão de unidade policial, resolvendo problemas administrativos, planejando atividades operacionais, desenvolvendo políticas de reestruturação material da unidade, propondo medidas de engajamento da equipe (ASENSI, 2015), entre outras. Destarte, as dinâmicas do Delegado de Polícia possuem simetria com o chamado “Senior Investigating Officer” (SIO) – profissional da polícia do Reio Unido encarregado de investigações criminais complexas, assumindo o comando de equipe, gerenciando os recursos materiais e humanos com enfoque investigativo (COOK, 2019).

Nesse sentido, ao Delegado de Polícia se exige, além do conhecimento jurídico necessário para a condução da investigação, conhecimentos relacionados à ciência da administração, viabilizando a boa gestão policial, garantindo a máxima eficiência na atividade investigativa (SANTOS, 2021). O conhecimento administrativo na gestão da investigação criminal possui vários desdobramentos, sendo eles, o conhecimento analítico, conhecimento administrativo, conhecimento da organização, conhecimento do funcionário e conhecimento do processo (GOTTSCHALK; DEAN, 2010).

Ao tratar de conhecimento analítico, Gottschalk e Dean (2010) indicam que tal perspectiva se refere ao conhecimento acerca das estratégias e táticas que podem ser implementadas para alcançar os objetivos da investigação criminal. Tal perspectiva é complementada pelos autores indicando a importância sobre o papel da liderança executiva, bem como compreensão sobre o papel da gestão em uma unidade policial. Ademais, imprescindível a compreensão acerca de como a instituição em que a investigação criminal está inserida se organiza administrativamente, bem como clareza quanto às dinâmicas dos funcionários designados para a equipe de trabalho, ou seja, além do conhecimento organizacional, é importante que o Delegado de Polícia tenha a compreensão dos limites e possibilidades de sua equipe. Por fim, os autores reforçam a necessidade de o SIO ter conhecimento sobre os processos e práticas do trabalho policial investigativo, a fim de garantir melhor orientação à sua equipe.

A perspectiva apresentada se relaciona, para além da função de execução de atos de investigação criminal – o que Santos (2021) chamou de “investigação criminal stricto sensu” -, à atividade de gerenciamento intermediário na hierarquia de comando da instituição. Nesse sentido, compete ao Delegado de Polícia (SIO) enveredar esforços para que a investigação apresente bons desdobramentos lógicos decorrentes dos atos investigativos, e que tais medidas estejam abarcadas pelo orçamento destinado administrativamente, garantindo a produção de bons resultados na busca e coleta de evidências criminais (EMIL BERG et al., 2008).

Ademais, o SIO deve apresentar uma combinação de habilidades de gestão, além de capacidade investigativa e excelentes níveis de conhecimento aceca das dinâmicas do processo investigativo sob sua presidência (SMITH; FLANAGAN, 2000). A gestão da investigação criminal se caracteriza pelo conjunto de atividades, tarefas e papéis realizadas pelo tomador de decisão a fim de desenvolver questões operacionais relacionadas a planejamento, organização, influência e controle das dinâmicas de equipe e coleta de evidências. Nesse sentido, a gestão da investigação passa, necessariamente, pela interação entre as informações colhidas ao longo do processo investigatório e o andamento das ações desenvolvidas pela equipe de campo, devendo ser devidamente orientada e supervisionada, procurando a maximização da eficiência dos atos investigativos (NORDIN; PAULEEN; GORMAN, 2009).

O entendimento quanto à gestão da investigação criminal ganha reforço com a necessidade de compreensão de todos os atos investigativos e de toda a informação possível quanto ao crime investigado, a fim de viabilizar melhores decisões estratégicas. A necessidade de conhecimento do contexto investigativo possui guarida em base principiológica, qual seja, o princípio do equilíbrio e controle da investigação criminal. Para o referido princípio, a investigação criminal deve ser conduzida sob domínio integral dos investigadores, exercitando-se o controle e a estabilidade das diligências realizadas com a condução das informações e desenvolvimento de ações devidamente orientadas a determinado objetivo (SANTOS, 2021).

A perspectiva se mostra fundamental em especial ao se compreender a função do presidente da investigação, sendo o responsável por desenvolver e implementar estratégias de ação investigativa, bem como promover a gestão da informação a fim de garantir competente tomada de decisão. Ainda, o presidente da investigação tem por responsabilidade a alocação de recursos a fim de garantir o bom andamento dos atos investigativos (COOK, 2019).

Dessa forma, pode se indicar que o Delegado de Polícia, cargo equivalente ao SIO, possui seis funções basilares na gestão da investigação criminal, divididas entre relações de ambiente interno da instituição e relação com ambiente externo. Quanto às primeiras, destacam-se as funções de líder de pessoal (garantindo função de motivação de equipe), gestor administrativo (promovendo a alocação de recursos para a execução do trabalho), porta voz (exercendo a função de rede entre a unidade policial e a instituição) e “empreendedor” (resolvendo os problemas das dinâmicas de trabalho e buscando recursos para melhoria das atividades do grupo). Acerca da relação com o ambiente externo, cita-se as funções de ligação e monitoramento. A primeira se relaciona às atividades de trocas de informações com ambiente externo à instituição policial, a exemplo do diálogo com a sociedade, com a magistratura, Ministério Público ou outras forças policiais; a segunda se afigura como uma das mais significativas funções do Delegado de Polícia, qual seja, a função de “gatekeeper”, ou seja, a função de evitar que atividades e forças externas venham a prejudicar o andamento das investigações, desvirtuando a atividade de Polícia Judiciária (EMIL BERG et al., 2008).

Framework da função gerencial do SIO
Figura 01:
Framework da função gerencial do SIO
Fonte: Emil Berg et al., 2008

5 - O PRESIDENTE DA INVESTIGAÇÃO, A MENTALIDADE INVESTIGATIVA E O RACIOCÍNIO LÓGICO APLICADO À RESOLUÇÃO DE CRIMES

A ideia central de que o Delegado de Polícia atua na gestão da unidade investigativa não deve provocar a falsa premissa de que o referido profissional está dissociado da execução das dinâmicas de busca e coleta de evidências, ao contrário, ao presidente da investigação se impõe a necessidade de conhecimento amplo das informações que circundam a apuração do crime (princípio do equilíbrio e controle), bem como o desenvolvimento de atividades típicas de investigação criminal (stricto sensu).

Nessa perspectiva, ao presidente dos atos investigatórios cumpre a missão de analisar com cautela as premissas apresentadas para formulação da hipótese explicativa mais razoável para o problema criminal apresentado. A análise cuidadosa dos elementos à disposição para formulação de alternativas possíveis para a solução do caso passa necessariamente pelo exercício de raciocínio lógico do investigador. Assim, a utilização de metodologias para o exercício do raciocínio investigativo se mostra importante, se revestindo em vários métodos utilizados para gerar conhecimento acerca de um delito, garantindo a aplicação de lógica que embase e unifique as atuações policiais investigativas (INNES, 2003).

Insta destacar que a atuação na investigação criminal se alicerça em uma síntese entre habilidades artesanais e bases de racionalidade científica, havendo simbiose entre a intuição policial e a aplicação de conhecimentos técnicos relacionados (INNES, 2003). Nesse ponto, as dinâmicas atinentes à experiência policial investigativa ganham corpo, especialmente em razão da aplicação da lógica indutiva para se firmar a hipótese inicial razoável para o caso concreto (método abdutivo).

A lógica se reveste como instrumental para a investigação criminal. O raciocínio lógico pode se operar de forma dedutiva, ou indutiva. Para a lógica dedutiva, a conclusão se dá a partir de premissas gerais verdadeiras que, uma vez confrontadas, garantem uma conclusão igualmente verdadeira. Contudo, havendo falsa premissa, por certo, a conclusão lógica será falsa. Já para o raciocínio indutivo, a lógica se opera a partir da generalização decorrente da observação de diversos fatos particulares análogos. Assim, pode-se afirmar que enquanto o raciocínio dedutivo se opera de regras gerais para conclusões particulares, a lógica indutiva parte do pressuposto de casos particulares para estipulação de uma regra geral aplicável (SANTOS, 2021).

lógica dedutiva e lógica indutiva
Figura 02:
lógica dedutiva e lógica indutiva
Fonte: Elaborado pelo autor.

Tanto o raciocínio dedutivo quanto o raciocínio indutivo possuem aplicação na mentalidade investigativa, mas deve-se dar destaque à lógica indutiva, vez que na dinâmica da prática delitiva, a partir da análise de premissas, não se pode conferir grau e certeza quanto à determinada conclusão lógica, mas apenas um grau de probabilidade decorrente do exercício de generalização (SANTOS, 2021). Nessa linha, o raciocínio indutivo tem por conclusão, a partir da análise de premissas, a indicação de algum elemento com certo grau de verossimilhança, não garantindo grau de exatidão ou certeza.

Importante destacar que, a despeito de as duas formas lógicas operarem no raciocínio investigativo, não são elas as formas que melhor correspondem à essência do raciocínio investigativo criminal, atuando como suporte ao método abdutivo (PEREIRA, 2019). Tal método apresentado por Sander Peirce se desenha como o estudo dos fatos e, a partir deles, procurar uma explicação razoável explicativa.

O método abdutivo se divide em três passos fundamentais: o primeiro refere-se à identificação dos fatos que causaram surpresa, ou seja, as premissas apresentadas; em segundo passo, o investigador passa a admitir hipóteses razoáveis que poderiam explicar o fenômeno ocorrido; o terceiro passo, por sua vez, refere-se à testagem das hipóteses firmadas para sua confirmação ou rejeição (SANTOS, 2021). Destaca-se, outrossim, que a hipótese firmada não pode se descolada da realidade, ou seja, não deve ser absurda, mas sim desenvolvida em decorrência de fatos observados e verificados (FERREIRA; FERREIRA, 2013). Na mesma perspectiva, o princípio da parcimônia preconiza que diante de uma multiplicidade de teorias concorrentes para explicação do evento criminoso, a explicação mais simples geralmente de opera como a correta (COOK, 2019).

Isto posto, compreende-se que a lógica abdutiva confere à investigação balizas direcionais ao produzir hipóteses iniciais razoáveis que deverão ser testadas ao longo do processo de busca e coleta de evidências. O desafio, portanto, é desenvolver linha de investigação criminal que promova a confrontação com a hipótese inicial aventada para confirmação ou para que tal hipótese seja refutada, e em seu lugar outra hipótese possa surgir. Nesse processo resta imprescindível que os investigadores tenham clareza quanto a manutenção da mentalidade investigativa, ou seja, deve-se manter “a mente aberta e permanecer receptivo a sugestões alternativas, buscando outras alternativas plausíveis e explicações para um determinado conjunto de circunstâncias”(COOK, 2019, p.37).

Embora a polícia investigativa não se constitua como uma instituição em que se possa utilizar soluções padronizadas para a sua atividade principal, resta necessária a compreensão do espírito e das formas de como os problemas criminais devem ser resolvidos. Assim, a despeito da inexistência de caminho processual existente (com fases definidas pela legislação), a investigação criminal é conduzida pela hipótese inicial decorrente de raciocínio lógico do investigador, sendo marcada por estratégias de atuação a fim de confirmar ou refutar as hipóteses propostas.

6 - O PENSAMENTO ESTRATÉGICO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E A TEORIA DOS JOGOS

Investigar criminalmente é atuar com estratégia. Não há como operar uma investigação criminal sem vislumbrar as vicissitudes da prática delitiva e buscar as melhores formas de agir para coletar o máximo de informações acerca do evento pesquisado. Nessa toada, a teoria dos jogos auxilia o processo estratégico para orientar a investigação criminal em busca de bons resultados, na perspectiva que os indivíduos que orbitam o processo investigativo (investigadores, investigados, testemunhas, vítimas, autoridade) procuram agir de maneira racional a fim de maximizar seus interesses e reduzir as suas perdas (BERMUDEZ, 2021). Dessa forma, a atuação de um dos atores na investigação criminal promoverá impacto nos processos decisórios dos demais envolvidos.

Fiani (2015) indica ser considerado um jogo qualquer situação de interação entre indivíduos ou grupo de indivíduos que se comportem estrategicamente e de maneira racional a fim de promover a maximização de seus interesses. Para o autor, tais indivíduos ou grupo de indivíduos são chamados players (jogadores ou atores), desde que tenham capacidade de decisão a ponto de afetar os demais jogadores no processo de interação.

Assim, a teoria dos jogos se apresenta como um processo de interação entre duas ou mais pessoas (ou grupo de pessoas) que, a partir de regras formais ou informais, tomam decisões e ações que promovem uma situação específica em busca de um objetivo determinado. Nesse contexto, a fim de garantir melhores resultados, atua-se de maneira estratégica para que as situações postas lhes sejam mais favoráveis (D´AMICO, 2008). O objetivo pretendido é chamado de payoff.

Do exposto acima se pode extrair quatro elementos essenciais para a teoria dos jogos, quais sejam: os jogadores (players), as regras do jogo, os objetivos (payoffs), e as estratégias de atuação.

A investigação criminal orientada pela teoria dos jogos (BERMUDEZ, 2021) parte da premissa de que os investigadores (players do jogo da investigação criminal) atuam com racionalidade (estratégia) na busca dos elementos informativos que comprovem a existência do fato, tragam à luz os indícios de autoria e apresente as circunstâncias do crime (payoffs da investigação preliminar), tendo suas atuações limitadas juridicamente pelo sistema normativo posto (regras). Assim, levando em conta que há outros jogadores no tabuleiro da investigação criminal (testemunhas, vítimas, investigados, interessados direta ou indiretamente no descobrimento do crime), resta necessário agir e pensar estrategicamente ao longo do processo investigativo.

O pensamento estratégico na investigação criminal ganha suporte na base principiológica da gestão da investigação criminal. A atuação da equipe de investigação deve ser devidamente coordenada estrategicamente a fim de garantir melhores resultados, evitando sobreposição de diligências ou a adoção de medidas desnecessárias para a investigação criminal. Assim, ganha destaque o já trabalhado princípio do equilíbrio e controle dos atos investigativos.

De outra banda, a ação coordenada e equilibrada da investigação criminal deve se atentar para a necessidade do sigilo dos atos, vez que atuação policial, em determinados momentos, deve se pautar pelo princípio da surpresa (SANTOS, 2021) a fim de garantir oportunidades investigativas, de modo que o investigado, testemunha ou vítima seja surpreendida quando da atuação dos investigadores ou mesmo quando da confrontação (revelação estratégica) de evidências em uma diligência relacionada a depoimentos e declarações.

A fim de garantir o sigilo das investigações e a atuação estratégica, por vezes é necessário que o presidente da investigação promova a separação de equipes para a execução de diferentes diligências sem o conhecimento do todo investigativo. Tal medida impede o vazamento de informações sensíveis relacionadas à investigação criminal, sendo conhecida por “compartimentação da informação”. Assim, apenas tem conhecimento do todo a equipe núcleo da investigação e o gestor policial para garantir a tomada estratégica de decisão (SANTOS, 2021).

Portanto, a teoria dos jogos na investigação criminal preconiza que o presidente da investigação criminal (Delegado de Polícia) deva agir com racionalidade no processo de tomada de decisão, sempre pautando suas escolhas de maneira estratégica, a fim de conferir melhores resultados investigativos. Nesse sentido, conhecer e compreender os demais players da investigação criminal garante ao SIO a possibilidade de antecipação de atuação dos demais atores, o que confere vantagem nas dinâmicas investigativas.

Nesse sentido, importante destacar que a atuação de um dos players no tabuleiro do jogo da investigação criminal influencia a decisão dos demais jogadores, que exercerão suas futuras escolhas com base nas experiências e informações pretéritas e já lançadas nas dinâmicas investigativas. A atuação na investigação criminal se desdobra tanto como um jogo simultâneo – em que o adversário ignora as decisões dos demais no momento da tomada de decisão – como também em jogos sequenciais – aqueles nos quais em cada etapa do jogo o participante tem informação sobre o opoente para calcular a melhor estratégia (FIANI, 2015). Assim, os operadores da investigação criminal devem levar em conta o processo de interação entre os players, haja vista o potencial de se tornar importante fator estratégico a ser considerando nos encaminhamentos de produção probatória, ou até mesmo nas relações negocias em uma investigação criminal, como, por exemplo, nos casos em que são cabíveis colaborações premiadas (ROSA; BERMUDEZ, 2019).

Diversas táticas são indicadas pela teoria dos jogos com o intuito de conferir a maximização dos interesses do presidente da investigação para atingir seus objetivos investigativos, garantindo melhores resultados para o levantamento de provas e informações atinentes à suposta prática delitiva. Nesse viés, as táticas, consubstanciadas em cursos alternativos de ação, se alteram de acordo com a etapa do jogo e com o comportamento do adversário, possibilitando a interação por meio de blefes, truques, trunfos, ameaças e análise de riscos. Contudo, tais táticas devem ser pautadas de forma ética (fair play), tomando-se o máximo cuidado para não subverter as regras do jogo (BERMUDEZ, 2021).

Informações referentes aos passos do adversário nas dinâmicas da investigação criminal são preciosas para o processo decisório de escolha de caminho racional na atuação investigativa. Desse modo, informação qualificada sobre os players se constitui trunfo (uma das táticas da teoria dos jogos) no processo investigativo. Ademais, a atuação dissimulada acerca de determinada situação fática que estimule o adversário a alterar seu curso estratégico pode ser considerada um blefe, provocando nos jogadores a noção de incerteza se as alegações dos demais jogadores são verdadeiras ou não (BÊRNI, 2004). Por sua vez, o truque é considerado como ação que contorna “um impasse de maneira mais eficiente, não se confundindo com simplificações abusivas, nem com milagres, no limite do jogo limpo” (ROSA, 2016, p. 207). Nessa senda, truques na investigação são ações que desviam a atenção do adversário para provocar instabilidade emocional ou desatenção, tais como estrutura argumentativa em uma entrevista de testemunha, ou mesmo a atuação undercover (agente disfarçado) em diligências investigativas.

Também considerado movimento tático, a ameaça tem por objetivo apresentar aos players adversários a perspectiva de que, uma vez tomada determinada providência no jogo da investigação, o cenário no tabuleiro se alteraria (BERMUDEZ, 2021), não se confundindo, pois, com chantagem ou intimidação. Assim, a indicação de uma ação legítima, como a intimação de uma testemunha ainda não ouvida, pode ensejar mudança de postura estratégica no oponente.

Os contextos investigativos são dinâmicos e complexos. Os jogos simultâneos e sequenciais trazem em seu bojo, também, subjogos que devem ser analisados pelo tomador de decisão no momento da escolha estratégica da ação investigativa. Diz-se “dinâmico” porque os subjogos se alteram, de forma a atender uma reação à previsibilidade de ação do adversário quando da compreensão de seus possíveis movimentos (antecipação), devendo estarem mapeadas alternativas e formas de contra-ataque.

Assim, a atuação estratégica proposta pela teoria dos jogos não tem viabilidade de operacionalização sem o devido planejamento racional das ações ao longo do processo. Nessa senda, uma direção gerencial desprovida de planejamento ou com planejamento pobre contribui de sobremaneira para maus resultados investigativos (NORDIN; PAULEEN; GORMAN, 2009).

O planejamento de ações é trabalhado no âmbito da teoria dos jogos sob dois enfoques, quais sejam, a análise de matriz e a árvore de decisão. Na primeira, operam-se a estruturação de diferentes estratégias em linhas e colunas, de modo que nos encontros entre tais elementos ficam claros os payoffs decorrentes. Já na segunda, as decisões investigativas (escolhas) representam um nó em uma árvore, de onde decorrem situações ensejadoras de outros processos decisórios (nós), apresentando ao final os payoffs (FIANI, 2015).

A fim de exemplificar utilização da árvore de decisão e da análise de matriz, propõe-se o exemplo de determinada investigação de crimes de corrupção em que há suspeita de que o principal investigado guarda em sua residência documentos e anotações referentes à materialidade delitiva. A opção mais racional e estratégica seria promover de imediato o interrogatório do investigado, ou antecipar a realização de busca e apreensão?

representação gráfica da árvore de decisão e da análise de matriz
Figura 03:
representação gráfica da árvore de decisão e da análise de matriz


Fonte: Elaborado pelo autor

A ideia de racionalidade e de lógica na investigação criminal se coaduna com a perspectiva de planejamento da investigação criminal a fim de garantir a tomada de decisão mais eficiente, entendida esta como o ato de realizar determinada atividade para atingir objetivo proposto com o mínimo de esforço e perda de tempo e recursos (FERREIRA; FERREIRA, 2013). Nesse diapasão, a estratégia na atuação investigativa se apresenta como um trajeto através da dificuldade, superando obstáculos em uma dinâmica desafiadora (BARBOSA, 2014).

pensamento estratégico
Figura 04:
pensamento estratégico
Fonte: Barbosa, 2014, p. 137

Destarte, o pensamento investigativo surge a partir de uma análise de premissas (dados já consubstanciados dotados de verossimilhança) que viabilizam o desenvolvimento de uma hipótese inicial razoável (método abdutivo) por intermédio do raciocínio lógico (indutivo ou dedutivo). A formulação da hipótese inicial garante a adoção de linhas de investigação que darão o caminho estratégico para o deslinde da investigação criminal. Todavia, toda e qualquer diligência a ser mapeada pelo presidente da investigação, qual seja, o Delegado de Polícia (princípio do equilíbrio e controle) deve se pautar pelo planejamento de ações (princípio da ação planejada), se valendo de ferramentas de gestão.

A figura abaixo apresenta um quadro geral da gestão estratégica e racional da investigação criminal. O ponto inicial se opera com recepção ou coleta de informações preliminares (premissas), passando por decisões gerenciais de instauração de processo investigativo, com a definição de linhas de investigação, estratégias de atuação investigativa e análise de provas e informações coletadas, com a conclusão do processo de investigação criminal.

gestão estratégica da investigação criminal
Figura 05:
gestão estratégica da investigação criminal
Fonte: Bermudez, 2021, p. 178

As informações iniciais são levadas a conhecimento do presidente da investigação criminal, e podem chegar por meio de cognição imediata (quando a autoridade policial toma conhecimento dos fatos por intermédio de suas atividades ordinatórias ou mesmo atividades investigativas de sua equipe), cognição mediata (quando a recepção das informações se dá por intermédio de expediente escrito – tais como petições de advogados ou mesmo requisições de instauração de investigação por parte do Ministério Público), ou cognição coercitiva, quando a informação inicial se dá com a condução de alguém em estado flagrancial da prática delitiva.

As premissas, por sua vez, conforme asseverado acima, irão auxiliar no processo de desenvolvimento da hipótese inicial, o que será formalizado pelo Delegado de Polícia em Portaria de inauguração de processo investigatório (inquérito policial), direcionando as linhas de investigação.

Importante destacar que as linhas de investigação se revelam a partir da confrontação entre as premissas postas e da análise de vazios (carência de informações para confirmar a hipótese inicial), direcionando a fase de busca e coleta de evidências.

Destarte, importante que o Delegado de Polícia, no curso da presidência dos atos investigatórios, especialmente em fase de busca e coleta de evidências, promova a gestão estratégica da investigação criminal, mapeando o cenário administrativo e criminal para a definição das diligências, se valendo de ferramentas de gestão para tanto.

Como exemplo de ferramentas de gestão, em especial levando em conta as orientações da teoria dos jogos (análise de matriz ou árvore de decisão), boa medida é a adoção da matriz SWOT (que analisa forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) para verificação da viabilidade administrativa e operacional do exercício das diligencias mapeadas de acordo com a linha de investigação (BARBOSA, 2014). Após, importante proceder à análise de riscos (BERMUDEZ, 2021) quanto ao exercício da diligência investigativa (ACI – análise de cenário investigativo) no intuito de evitar a execução de diligências irrazoáveis ou ineficientes (nesse ponto, a árvore de decisão se mostra plenamente aplicável).

Definidas as diligências, deve-se priorizar as ações investigativas (BERMUDEZ, 2021), sugerindo-se a adoção de matriz GUT (gravidade, urgência e tendência de piora da prova em caso de demora), desdobrando cada diligência mapeada em um plano de ação investigativa (BARBOSA, 2014), indicando o quê (what) será realizado, quem (who) realizará ato investigativo e quando (when) deverá ocorrer. Ademais, o plano de ação investigativa deve definir onde (where) se realizará a diligência, como (how) deve ser realizada, os motivos (why) para o ato e quanto (how much) custará (orçamento).

Realizada a diligência investigativa (do) após o devido planejamento (plan), deve o investigador checar os dados e informações obtidas (check), apresentando minucioso relatório ao presidente da investigação criminal, que poderá determinar a correções dos atos investigativos, ou mesmo a complementação das diligências (act), trabalhando-se, pois, em um ciclo PDCA (plan, do, check, act).

Importante destacar que a gestão estratégica da investigação criminal não se opera de maneira linear, mas em looping (FAHSING, 2016), ou seja, a gestão estratégica pode ir se alterando ao longo do próprio planejamento da investigação criminal sempre que o cenário dos jogos investigativos se modificar. Nessa toada, o planejamento estratégico e a atuação estratégica devem acompanhar o dinamismo do jogo, especialmente quando relacionado aos passos dados pelo player adversário.

A análise dos atos investigatórios pelo Delegado de Polícia ocorre à medida que as informações aportam na unidade policial investigativa, ficando a critério do presidente da investigação o que integrará os autos do inquérito policial e quais diligências não possuem pertinência com a causa. Da análise de todo o conteúdo produzido ao longo da investigação criminal, o Delegado de Polícia irá confrontar a hipótese inicial aventada. Em caso de confirmação da hipótese, a investigação será devidamente encerrada, com eventual complementação de elementos informativos se necessário.

Contudo, se diante da análise dos fatos surgirem novas hipóteses, todo o ciclo de investigação deverá ser novamente percorrido, no que Barbosa (2014) chamou de Ciclo do Esforço Investigativo Criminal (CEIC).

É importante destacar, de outra banda, que nem sempre se irá chegar a conclusão em uma investigação criminal. O princípio da contingência (SANTOS, 2021) indica que o ato de investigar é dotado de incertezas quanto à verdade a se alcançar, de modo que a investigação pode esclarecer o delito, ou não, dependendo das condições, obstáculos e estratégias adotadas que influenciarão na evolução da investigação criminal.

7- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação criminal se conceitua como um processo racional e estratégico de levantamento de provas e informações acerca de uma suposta prática delitiva. Tal processo investigativo é conduzido pelo presidente da investigação criminal, que deverá reunir todas as informações relacionadas às diligências investigatórias a fim de garantir a melhor decisão na coordenação dos trabalhos (princípio do equilíbrio e controle).

A presidência da investigação criminal não se restringe à determinação de ações investigativas, mas abrange diversas funções que possuem relação direta e indireta com a praxe investigativa, sendo o responsável pela gestão de pessoas, alocação de recursos administrativos e operacionais, função de motivação, além de exercer o papel de ligação com órgãos externos e a tarefa de impedir a influência externa nas investigações criminais.

Levando em conta que a investigação criminal se relaciona com fatos criminosos, pode-se assegurar que os investigadores atuam em um jogo complexo de interesses, abrangendo não apenas investigadores e investigados, mas também vítimas, testemunhas, controle externo da atividade policial, judiciário, mídia, sociedade, entre outros. Assim, havendo indivíduos (ou grupo de indivíduos) com interesse no deslinde da investigação criminal, imprescindível que se estude o ato de investigar de maneira estratégica. Nesse sentido, a teoria dos jogos soma nas dinâmicas investigativas, trazendo ferramental para o exercício do jogo da investigação criminal, auxiliando a análise racional na presidência da investigação criminal, a fim de garantir que a equipe de investigação (conduzida pelo presidente dos atos) chegue de maneira eficiente ao desvelamento do fato oculto: principal payoff para a polícia judiciária.

Nesse aspecto, ao presidente da investigação se exige não somente a determinação e acompanhamento ou execução de diligências investigativas, mas a compreensão da complexidade estratégica de sua atuação profissional, seja na perspectiva gerencial de unidade policial – atuando como líder de pessoas, passando pela gestão administrativa e função de gatekeeper , seja na compreensão de que sua atividade se afigura como um minucioso estrategista para a melhor coleta de provas e informações ao longo de determinada investigação criminal.

A estruturação da investigação criminal seguindo balizas científicas e estratégicas é fundamental para a melhoria da produção de provas indiciárias promovendo a atuação mais eficiente da polícia investigativa. O resultado da investigação criminal depende de um processo gerencial bem estruturado estrategicamente, com enfoque na mentalidade investigativa, a fim de promover a descoberta do delito, respondendo o heptâmetro de quintiliano: o que aconteceu? Quem praticou o suposto delito? Quando, onde e como se deu a prática delituosa? Por que o crime aconteceu e quais foram os meios empregados para a sua prática? A investigação criminal, para além das respostas, é feita de perguntas.

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