Instrumental Chemistry and Human Identification: Applications and Potential
Química Instrumental e Identificación Humana: Aplicaciones y Potencial
Submetido em: 16-06-2021.
Aceito em: 24-01-2022.
Marco Antonio de Souza
Polícia Federal, Brasília/DF, Brasil
http://lattes.cnpq.br/5337279717948592
RESUMO
Em ciências forenses, a impressão digital latente - IDL sempre foi uma poderosa ferra- menta para se buscar a autoria de um crime. Há pouco mais de 20 anos, a instrumenta- ção analítica passou a ser utilizada para se buscar outras informações desse vestígio que possam contribuir em uma investigação. Estudos utilizando a espectroscopia vibracio- nal foram capazes de demonstrar grande potencial para informar a idade de uma IDL, de promover contrastes interessantes entre a IDL e a superfície onde ela foi depositada e de fornecer, de forma qualitativa e quantitativa, informações químicas por meio da análise de substâncias endógenas e exógenas encontradas nas IDLs como drogas, meta- bólitos, traços de explosivos, etc.
Palavras-Chave: química instrumental; espectroscopia vibracional; raman, in- fravermelho; SERS; impressões digitais; imageamento; datação; informações químicas.
ABSTRACT
In the forensic sciences, latent fingerprint - IDL has always been a powerful tool to search for the authorship of a crime. More than 20 years ago, analytical instrumentation has been used to search for other information of this vestige that could be of interest in an investigation. Studies using vibrational spectroscopy were able to demonstrate great po-
Brasília, v. 13, n. 8, p. 71-93 , Mar./2022
71
Revista Brasileira de Ciências Policiais
ISSN 2178-0013
ISSN Eletrônico 2318-6917
tential to inform the age of an IDL, to promote interesting contrasts between the IDL and the surface where it was deposited and to provide qualitative and quantitative chemi- cal information through the analysis of endogenous and exogenous substances found in IDLs such as drugs, metabolites, traces of explosives, etc.
Keywords: instrumental chemistry; vibrational spectroscopy; raman; infrared; SERS; fingerprints; imaging; dating; chemical information.
RESUMEN
En ciencias forenses, huella dactilar latente - IDL siempre ha sido una poderosa herra- mienta para buscar la autoría de un delito. Hace poco más de 20 años se ha utilizado instrumentación analítica para buscar otras informacións sobre esta traza que sepuedes ayudar en una investigación. Los estudios mediante espectroscopia vibracional logra- ron demostrar un gran potencial para informar la edad de un IDL, promover contrastes interesantes entre el IDL y la superficie donde fue depositado y brindar información química cualitativa y cuantitativa a través del análisis de sustancias endógenas y exógenas encontradas en IDL como drogas, metabolitos, rastros de explosivos, etc.
Palabras clave: química instrumental; espectroscopia vibratoria; raman; infrar- rojos; SERS; huellas dactilares; imágenes; datación; información química.
No últimos anos, observou-se um aumento de 12% no núme- ro de publicações científicas sobre impressões digitais, no período de 2016 a 2019, quando comparado ao período de 2013 a 2016. Em re- visão recente da Interpol, são apresentados os trabalhos de maior re- levância na área, separados pelos principais temas abordados durante este período, publicados em revistas com avaliações por pares em todo o mundo (Bécue et al., 2020).
Diversos trabalhos utilizam diferentes áreas da química, como fundamento para o desenvolvimento de novas tecnologias, que vão desde novas substâncias químicas utilizadas como reveladores (Vadi- vel et al., 2021) até ao uso de nanomateriais, instrumentação analítica e quimiometria (Bécue et al., 2020). Durante a década de 1990, o foco das análises das impressões digitais latentes (IDLs) deixou de ser ape-
nas a busca pela autoria e novas metodologias passaram a ser estudadas e desenvolvidas com o objetivo de extrair outras informações deste ves- tígio, (Day et al., 2004). Assim, alguns autores desenvolveram métodos para imageamento (Tang et al., 2010), datação e outras informações químicas da IDL (Hudson et al., 2019).
Uma IDL é composta por substâncias endógenas (produzi- das pelo próprio corpo - suor e gorduras) e exógenas (provenientes de contato ou manipulação). Apesar das gorduras serem encontradas nas impressões digitais, as glândulas sebáceas, produtoras desta substância, não são observadas nas palmas das mãos e nos dedos. Desta forma, as gorduras são incorporadas às impressões digitais com o contato entre as mãos e outras partes do corpo. As glândulas écrinas do tecido tegu- mentar das impressões digitais excretam suor. As glândulas apócrinas também excretam suor, mas são observadas em outras regiões do corpo como virilha, axilas e perianal. Acerca dos componentes encontrados nas impressões digitais, a água possui o maior percentual (99%), segui- da de substâncias orgânicas e inorgânicas (1%) (Choi et al., 2008). Na Tabela 1 encontram-se os principais componentes químicos das secre- ções encontrados nas impressões digitais.
Tabela 1. Constituição química das secreções encontradas nas impressões digitais. Adaptada de (CHOI, et al. 2008). | ||
fONTE | CONsTITuINTEs INORgâNICOs | CONsTITuINTEs ORgâNICOs |
gLâNduLAs ÉCRINAs | Cloretos Íons metálicos (Na+, K+, Ca2+) Sulfatos Fosfatos Amônia Água (>98%) | Aminoácidos Proteínas Ureia Ácido Úrico Ácido Lático Açúcares Creatina Colina |
gLâNduLAs ApóCRINAs | Ferro Água (>98%) | Proteínas Carboidratos |
gLâNduLAs sEBáCEAs | Esteróis Glicerídeos (30-40%) Ácidos graxos livres (15-25%) Ésteres (20-25%) Óleos (10-12%) Ésteres esteróis (2- 3%) Esteróis (1-3%) |
Os trabalhos sobre impressões digitais, sob a perspectiva da química instrumental, analisam essas substâncias endógenas e exóge- nas. Um dos estudos precursores dessa nova maneira de explorar uma IDL foi um estudo de caso publicado por um grupo de pesquisa do FBI. Durante uma investigação de sequestro de uma criança, a vítima reconheceu o veículo usado no sequestro. Durante a perícia no veículo, foram empregadas técnicas convencionais para revelar IDLs, mas não foi encontrado nenhum vestígio na lataria ou no interior do veículo. Intrigada, a equipe do FBI realizou novos testes, desta vez, observaram que, ao depositar impressões digitais de adultos e crianças em copos plásticos, as impressões digitais de crianças desapareciam mais rapida- mente do que as impressões digitais de adultos sob a mesma condição de temperatura. Os peritos resolveram então utilizar técnicas analíti- cas como cromatografia gasosa acoplada a um espectrômetro de massa
– CG-MS, que permite a realização de medidas das propriedades físi- cas ou químicas de uma amostra, bem como identificá-la a baixíssimas concentrações. Eles perceberam que os compostos identificados em
impressões digitais de adultos possuíam, em média, cerca de 32 átomos de carbono, enquanto, os extraídos de crianças possuíam uma massa molecular menor, com cerca da metade da quantidade de carbono. As interações intermoleculares (dispersões de London, por exemplo) ex- plicam a volatilidade dessas substâncias, e estas forças intensificam-se com o aumento da massa molar e de superfície molecular. Assim, os peritos concluíram que não haviam conseguido revelar as impressões digitais da criança no veículo usado para sequestrá-la porque as im- pressões digitais de crianças tendem a ser mais voláteis e podem de- saparecer em questões de horas em um ambiente quente. Neste caso, foi dado crédito à palavra da criança e a polícia continuou as investi- gações, o que possibilitou a prisão dos sequestradores em sequência (DeLorenzo & Kimbrough, 1998). Desde então, a química analítica tem sido fundamental para o desenvolvimento de novas metodologias para análise de impressões digitais na área forense. A espectroscopia vibracional, representada pela espectroscopia Raman e de infraverme- lho, tem se destacado para este fim (Chen et al., 2021) (Lavine et al., 2020) (Muehlethaler et al., 2016).
Na espectroscopia no infravermelho as moléculas polares apre- sentam transições vibracionais após absorverem energia na região do infravermelho no espectro eletromagnético (5 cm-1 – 12500 cm-1) (Fi- gura 1) (Skoog et al., 2009).
Figura 1. Representação esquemática da região do espectro eletromagnético que corres- ponde ao infravermelho (5 cm-1 – 12500 cm-1). Adaptado de (Guide to Ingrared Spectros- copy, 2021)
Essas vibrações ocorrem nas ligações entre os átomos de acordo com a energia absorvida. Assim, é possível caracterizar uma amostra quando identificados seus modos de vibração. Esses modos de vibração são associados a cada pico num espectro de infravermelho de acordo com seu número de onda (cm-1). Não existem duas moléculas dife- rentes com espectros idênticos. Dentre as vantagens da utilização da espectroscopia de infravermelho, se destacam a facilidade de prepara- ção da amostra, a possibilidade de uso de amostras sólidas, líquidas e gasosas, a identificação de moléculas inorgânicas e orgânicas (grupos funcionais), baixo custo das análises e do equipamento e a preservação da amostra (Skoog et al., 2009). Como características da técnica, po- dem ser apontadas uma fonte de radiação policromática e o método de detecção muito atrativo para as aplicações forenses (Ewing & Kazar- ian, 2017).
A espectroscopia Raman também é um tipo de espectroscopia vibracional, porém, o fenômeno que fundamenta esta técnica é o es- palhamento da luz pela matéria (Skoog et al., 2009). Assim, ao incidir sobre a amostra, uma parte da luz é refletida (espalhamento Rayleigh) e a parte da luz espalhada é emitida com energia menor do que a da luz incidente (espalhamento Sokes), e a outra parte é emitida com energia maior do que a da luz incidente (espalhamento Anti-Stokes), confor- me demonstrado na Figura 2 (Skoog et al., 2009).
Figura 2. Representação esquemática do efeito do espalhamento de luz observado na espectroscopa Raman (a); diagrama de energia do espalhamento stokes (menor energia) e anti-stokes (maior energia) (b). Adaptado de (Instrumental Analysis of Cultural Heritage Objects, 2021) e (Kneipp, 2007).
Esse espalhamento de luz é uma consequência da interação da radiação incidente e da matéria, fazendo com que as moléculas (pola- res e apolares) atinjam diferentes estados vibracionais, permitindo, da mesma forma que o infravermelho, identificar uma amostra por meio de seus modos vibracionais e seu número de onda correspondente no espectro. As vantagens dessa técnica são basicamente as mesmas das já apontadas para a espectroscopia de infravermelho, bem como suas ca- racterísticas, exceto que a fonte de radiação é monocromática e é capaz de identificar moléculas polares e apolares (Skoog et al., 2009).
Algumas vezes, a interação da luz com a amostra não provoca uma resposta suficiente no detector do equipamento, sendo necessá- rio intensificar o sinal Raman. Há diferentes formas de se fazer isso: por meio do efeito Raman ressonante ou por meio do Espalhamento Raman Intensificado por Superfície - SERS. Existem outras formas de intensificação não lineares que não serão profundamente abordadas neste trabalho, como por exemplo o espalhamento Raman estimula- do – SRS, que é caracterizado pela geração de radiação de frequências igualmente espaçadas em relação a uma frequência específica de um laser de bombeio. O que resulta em uma interação não linear entre a radiação e as moléculas do meio (Skoog et al., 2009).
O efeitoSERS é uma intesificação do espalhamento Raman provocado pela interação da radiação com uma amostra depositada em uma determinada superfície metálica. Esse fenômeno foi descoberto por Fleischmann et al. na tentativa de intensificar o sinal Raman au- mentando eletroquimicamente a área superficial (eletrodos) onde as amostras estavam, uma vez que a densidade das molécula adsorvidas e a seção de choque para o espalhamento Raman da molécula livre tam- bém é pequena. Assim, a investigação de monocamadas fica prejudica- da pela baixa sensibilidade do efeito Raman normal. Com a evolução de estudos envolvendo nanopartículas, foi observado que nanomate- riais metálicos também produziam esse efeito (Figura 3) (Fleischmann & McQuillan, 1974) (Faria et al., 1999).
Figura 3. Representação esquemática das moléculas (azul) adsorvidas em nanopartículas de metal (laranja). Como no espalhamento Raman comum, o espectro SERS mostra energias de vibração molecular com base na mudança de frequência entre a luz laser incidente (verde) e espalhada (vermelha). A potência do sinal SERS depende do número N de moléculas envolvidas no processo, da intensidade do laser Iv, a seção de choque da molécula adsorvida σRads e fatores de amplificação |A(vL)|2 e |A(vs)|2, que quantifica a am-
pliação da excitação do laser e campos dispersos, respectivamente. Retirado de (Kneipp,
2007) .
Assim, o objetivo deste artigo é apresentar o potencial de apli- cação da química instrumental na área de papiloscopia, com alguns estudos recentes que exploram este tema, em especial das espectrosco- pias Raman e IR.
Para este estudo, foi utilizada a plataforma de busca da base de dados da Web of Science e considerados os temas Imageamento, datação e obtenção de informações químicas utilizando Espectroscopia Raman e Infravermelho. Vale ressaltar que para um periódico ser incluído na base de dados Web of Science, são utilizados 28 critérios de avaliação, entre eles fatores de impacto, ISSN e uma rígida política de revisão por pares. Foram selecionados alguns trabalhos relevantes, como exemplo da aplicação das técnicas de espectroscopia vibracional em cada um dos temas.
Espectroscopia Raman; Imageamento
Figueroa e colaboradores afirmam que a identificação de pro- dutos químicos suspeitos presentes em resíduos de IDLs é um grande desafio e que apesar de vários trabalhos apresentarem metodologias para imageamento químico baseados em espectroscopia vibracional, ainda existem grandes dificuldades em termos de velocidade de aqui- sição, baixa resolução espacial e falta de sensibilidade. Uma alternativa para a baixa velocidade de aquisição foi o uso de dois lasers para pro- dução do efeito SRS. Os autores demonstraram a viabilidade de uma metodologia baseada em microespectroscopia Raman para extrair de forma rápida e não destrutiva a morfologia das IDL em diferentes substratos (vidro e aço inoxidável) e ainda detectar substâncias exóge- nas das IDLs, conforme pode ser observado no esquema da Figura 4. Para o imageamento da impressão digital, utilizou-se como referência a banda atribuída aos lipídeos em 2850 cm-1. Para simular uma impres- são digital contaminada o doador pressionou o dedo sobre as substân- cias exógenas utilizadas neste estudo, Muzzleloading Powder e ácido benzoico e em seguida pressionou o mesmo dedo nos substratos por 3 segundos. Foi utilizado como referência, a banda do KNO3 (1067 cm-1), principal componente do pó propelente de armas de fogo Mu- zzleloading Powder e para simular cocaína, utilizou-o ácido benzoico (1639 cm-1). Foi possível o imageamento da IDL utilizando os lipídeos como referências para a formação das cristas da impressão digital, além da identificação por imagem de traços das substâncias químicas exó- genas. Além disso, foi demonstrado uma melhoria na aquisição direta de um padrão IDL retirado da fita, com a aplicação da metodologia proposta (Figueroa et al., 2017).
Figura 4. Representação esquemática dos procedimentos para determinação de KNO3 , ácido benzóico bem como o imageamento da IDL por SRS. Retirado de (Figueroa et al., 2017).
Em trabalho recente, Yang-Yang e colaboradores, propuseram uma nanossonda SERS (Au@pNTP@SiO2) para a realização de ima- geamento de impressões digitais. Impressões digitais de voluntários foram depositadas em uma superfície de vidro e, após 16h, as nanos- sondas SERS foram nela pulverizadas (Figura 5).
Figura 5. Síntese de Au @ pNTP @ SiO2 (núcleo de ouro-casca de sílica com 4-nitrotiofenol incorporado entre núcleo e casca) SERS (superfície aprimorada Espalhamento Raman) nanossondas e reconhecimento de IDLs. Retirado de (ZHOU et al., 2019).
Após 30 minutos, o excesso foi retirado com água deionizada. Assim que completamente secas, as digitais foram transferidas para a fita adesiva e fotografadas sob o microscópio Raman confocal. Como resultado, foram observadas claramente as características da estrutu- ra primária (padrão de cristas), da estrutura secundária (bifurcação e
pontos) bem como da estrutura de terceiro nível (poros de suor) con- forme demonstrado na Figura 6. Os autores consideram o método efi- caz para reconhecer IDLs (ZHOU et al., 2019).
Figura 6. (A) Imagem de microscópio óptico de IDL em uma superfície de vidro, (B) Imagem SERS da impressão digital transferida modificada por SERS sonda da superfície de vidro para fita adesiva, (C) imagem SERS da mesma impressão digital transferida da superfície da área de trabalho, (D) SERS imagem da mesma impressão digital transferida da superfície da superfície do saco de embalagem de plástico e (E) imagem detalhada
da IDL em (D). (i-iii) referem-se aos locais marcados em moldura redonda amarela; (i) Detalhe de primeiro nível da IDL; (ii) Detalhe de segundo nível; (iii) Detalhe de terceiro nível (poro de suor); (iv) espectros Raman de pontos aleatórios na imagem de IDL. Retirado de (ZHOU et al., 2019).
Andersson e colaboradores avaliaram a espectroscopia Raman como um método não destrutivo de estimar a idade das impressões digitais. Cinco doadores tiveram suas impressões digitais - IDL do dedo indicador coletadas em uma lâmina de aço. As medidas Raman de todos os grupos foram realizadas em gotas de óleo e em restos de pele morta que os autores nomearam de partícula (Figura 7a e 7b). Um grupo de IDLs foram armazenadas sob a condição de luz ambiente e realizadas medidas Raman no dia da coleta e um mês depois, para comparação (Figuras 7c e 7d). Outro grupo de IDLs tiveram suas me- didas realizadas em séries temporais mais frequentes ao longo de três semanas, onde as amostras analisadas foram armazenadas em luz am- biente (~ 12 horas de luz ambiente durante um dia). Em uma segunda série temporal, IDLs de outro grupo medidas e analisadas ao longo de quatro semanas, com as amostras, desta vez, mantidas no escuro (exceto durante o período de tempo das medições). As amostras fo- ram sempre armazenadas em temperatura ambiente e em dessecador para manter a umidade constante (44% UR). A Figura 7 apresenta os espectros Raman, nos quais é possível observar a degradação ao lon-
go do tempo. Os autores identificaram marcadores moleculares com diferente comportamento de decaimento cinético na ordem a seguir: carotenoides > esqualeno > ácidos graxos insaturados > proteínas. Foi observado ainda uma maior velocidade de degradação, menos pronun- ciadas para proteínas, para as amostras armazenadas em condições de luz ambiente, provavelmente devido à foto-oxidação. Os autores con- cluíram que o trabalho carece de mais estudos, sobretudo com grupos de indivíduos diferentes, analisando a relação entre a composição quí- mica das FMs com o sexo e/ou idade e, ainda, avaliar como as taxas de degradação são afetadas por externos, como temperatura, umidade, luz e interações moleculares entre compostos endógenos e exógenos (Andersson et al., 2017).
Figura 7. Micrografias de uma IDL representando as partículas e gotas de óleo. Espectros Raman das partículas e das gotas de óleo medidos no dia da coleta e 1 mês depois.
Figura 8. Espectros Raman na região entre 1650-1670 cm-1 de amostras de IDL armaze- nadas sob condições de claro e escuro. A degradação mais lenta pode ser observada na amostra armazenada no escuro.
Souza e colaboradores utilizaram o efeito SERS para detectar metanfetamina em impressões digitais, antes e depois da revelação com pó preto. A metodologia foi baseada no uso de um substrato SERS ativo, formado por um filme de nanopartículas de prata dispersas em gel de agarose, depositadas lâmina de alumínio - AgNPs/Agar/Al. Os resultados de SERS mostraram que as lâminas de alumínio recobertas com filme AgNPs/Agar apresentaram uma melhor relação sinal-ruído. Após registro da IDL contaminada com a droga, foi possível detectar metanfetamina em quantidades abaixo de 200 µg, antes e depois da revelação da digital, conforme esquema da Figura 9. Os espectros de SERS, em diferentes locais da impressão, mostraram sinais relativa- mente altos da metanfetamina adsorvida, apesar de ocorrer uma ate- nuação do sinal da metanfetamina após revelação da impressão digital. Os autores informaram que a metodologia desenvolvida é promissora
para ser aplicada na detecção de outras drogas ou outras substâncias de interesse forense (Souza et al., 2018).
Figura 9. Representação esquemática dos procedimentos para determinação de metanfe- tamina na IDL por SERS. Retirado de (Souza et al., 2018).
Tahtouh e colaboradores utilizaram FTIR para obter imagens químicas de impressões digitais latentes depositadas em superfícies em que os métodos tradicionais de revelação não permitem a obtenção da digital. Foram produzidas imagens químicas de IDLs depositadas em lâminas de vidro, cédulas, latas de alumínio, papel A4, papel tér- mico e fitas durex. Para isso, impressões digitais foram preparadas e depositadas em diversas superfícies após o indivíduo, lavar, enxaguar e secar bem as mãos e passar um dedo limpo em uma região oleosa do rosto (testa, nariz ou pescoço). As IDLs recém-depositadas foram reveladas com cianoacrilato. O contraste das IDLs tratadas foi basea- do no modo de estiramento de carbonila do cianoacrilato de etila em
1743 cm-1 e, conforme pode ser observado nas Figura 10, o contraste gerado pela imagem IR é superior ao obtido pela simples revelação (Ng et al., 2009).
Figura 10. - IDL revelada com cianoacrilato branca em nota de US $ 5.00 (a) e represen- tação monocromática de sua imagem química FTIR (b); IDL revelada com cianoacrilato em lata de alumínio de sprite (c) e representação monocromática de sua imagem química FTIR (d). Adaptado de (Ng et al., 2009).
Em outro estudo, uma equipe do FBI e pesquisadores demos- traram capacidade da imagem espectroscópica gerada por IR para re- velar, sem necessidade de pré-processamento ou pré-tratamento das IDLs. Em alguns casos, a impressão era ligeiramente visível a olho nu. A obtenção dos espectros IR aliado ao processamento das imagens tornaram todas as impressões claramente visíveis. Foram utilizados diferentes tipos de materiais não-porosos (malas de viagem, latas de refrigerante e fita) e porosos (papel A4, cigarro, cédula). A Figura 11 representa as impressões obtidas pelo escaneamento da imagem e pela geração da imagem a partir da banda em 1016 cm-1, correspondente ao estiramento assimétrico do éster presente nas IDLs (Crane et al., 2007).
Figura 11. Imagens obtidas por um scanner em uma lata de refrigerante (à esquerda), e em fita adesiva (à direita) (A), e as respectivas imagens obtidas pelo imagiamento químico baseado em IR a partir da banda em 1016 cm -1 (B). Adaptado de (Crane et al., 2007).
Girod e colaboradores investigaram resíduos de IDLS utili- zando microscopia de FTIR para obter informações fundamentais sobre a composição das impressões e a variação dos componentes com o tempo, visando sua datação. As regiões espectrais entre 1000 a 1850 cm-1 e 2700 a 3600 cm-1 foram utilizadas como referência, por terem sido identificadas como as vibrações moleculares do material écrino e sebácio das impressões digitais. Foi realizado a partir da digital de uma mulher com 27 anos e obtidos espectros com 0, 1, 3, 7, 9, 20 e 34 dias em substrato de alumínio e vidro, e utilizadas ferramentas qui- miométricas. Como resultados, os autores observaram que não houve diferença nos dados obtidos nos diferentes substratos, embora com os tratamentos estatísticos tenha sido possível observar diferenças. Quanto ao envelhecimento, como pode ser observado na Figura 12, as bandas relacionadas ao material écrino, desapareceu rapidamente em função do tempo, enquanto o material sebáceo diminuiu, permane- cendo, contudo, até o dia 34. Esta técnica deve ser mais aprofundada para poder ser utilizada na datação de IDLs (Girod et al., 2012).
Figura 12. Exemplos de padrão de espectros de envelhecimento de impressões digitais contendo principalmente material sebáceo e écrino. Retirado de (Girod et al., 2012).
Outro tipo de utilização da espectroscopia de infravermelho é a identificação de substância que a pessoa manipulou. Neste sentido, Ng e colaboradores desenvolveram um estudo que permite tanto a de- tecção da impressão digital quanto a identificação destas substâncias. Assim, foram analisadas IDLs contaminadas com cafeína, aspirina e diazepam, que puderam ser detectadas separadamente e ao mesmo tempo, com o uso de métodos univariados ou multivariados, demons-
trando ser uma técnica muito útil para as ciências forenses. A Figura 12 representa a sobreposição de imagem espectral infravermelha de impressão digital utilizando a banda em 2.930 cm-1 para três contami- nantes, aspirina, cafeína e diazepam (Ng et al., 2009).
Figura 13.Sobreposição de imagem espectral infravermelha de impressão digital utilizando a banda em 2.930 cm-1 para três contaminantes, aspirina, cafeína e diazepam, como encontrado pelo SAM pesquisando espectros de segunda derivada na imagem. Correspondências espectrais mais altas (a1-c1) e espectros de referência (a2-b2) para o três compostos são mostrados embaixo. Adaptado
de (Ng et al., 2009).
Observa-se neste trabalho que as técnicas utilizadas em quí- mica instrumental, sobretudo as de espectroscopia vibracional, pos- suem grande potencial para uso na rotina de equipes forenses, anali- sando impressões digitais, não só na busca por autoria, mas também por outras informações de interesse de uma investigação policial. Foi demonstrado que é possível a visualização da morfologia das cristas papilares com contrastes tão interessantes, ou melhores, quanto os ob- servados usando técnicas convencionais. As análises das substâncias
endógenas e exógenas permitiram o desenvolvimento de técnicas que possibilitam estimar a datação de uma impressão digital bem como o fornecimento de informações químicas que possam revelar condutas anteriores à deposição do vestígio. Essas informações podem encontrar alguma dificuldade de serem implementadas na rotina policial, em de- corrência do custo de equipamentos analíticos e softwares de imagea- mento, da falta de investimentos ou capacitação técnica para usá-los, etc. Contudo, uma dessas técnicas pode ser a chave para a solução de crimes mais desafiadores. O crescimento do interesse pelo estudo mais aprofundado das impressões digitais, principalmente com a utilização de equipamentos mais sensíveis, é um bom indicador de que a polícia tem buscado evoluir tecnicamente e estar à altura dos novos desafios que virão.
Biografia do Autor:
Marco Antonio de Souza
Possui graduação em Bacharel em Química (2003) e Mestrado em Nanociência e Nanobiotecnologia (2018) pela Universidade de Brasília. É Doutorando em Nanociência e Nanobiotecnologia pela Universidade de Brasília. Desde 2005 é Papiloscopista Policial Federal na Polícia Federal com atuação em identificação de vítimas de desastres - DVI, perícia papiloscópica, gestão de sistemas computacionais
e atividades voltadas a docência e pesquisa na Academia Nacional de Polícia. Possui capacitação na área de DVI em Londres - UK pelo Comando de Contra Terrorismo da Nova Scotland Yard. Foi
responsável pela criação do Curso de Pós Graduação lato sensu em Identificação Humana, oferecido pela Academia Nacional de Polícia. Participou do grupo de trabalho para a elaboração do Plano Nacional de Políticas sobre Drogas - PLANAD 2021- 2025. Desde 2018, atua como gestor do Sistema ePol
- módulo SINIC na Corregedoria Geral da Polícia Federal. Integra o grupo de pesquisa Papiloscopia Forense, certificado pelo CNPq, desde 2020. Entre seus trabalhos acadêmicos desenvolvidos, destaca- se o desenvolvimento de novas metodologias para a obtenção de informações químicas a partir da impressão digital por Espectroscopia Vibracional (Surface Enhanced Raman Spectroscopy - SERS,
Infravermelho e Raman).
ANDERSSON, P. O. et al. Towards Fingermark Dating: A Raman Spectroscopy Proof-of-Concept Study. ChemistryOpen, 6(6), 706–
709, 2017. https://doi.org/10.1002/open.201700129
BÉCUE, A.; ELDRIDGE, H.; CHAMPOD, C. Interpol review
of fingermarks and other body impressions 2016–2019. Forensic Science International: Synergy, xxxx. https://doi.org/10.1016/j. fsisyn.2020.01.013
CHEN, H. et al. (2021). Advances in fingermark age determination techniques. The Analyst, 146(1), 33–47, 2021. https://doi. org/10.1039/D0AN01423K
CHOI, M. et al. Metal-containing nanoparticles and nano- structured particles in fingermark detection. Forensic Science International, 179, 87–97, 2008. https://www.sciencedirect.com/ science/article/pii/S037907380800203X
CRANE, N. J. et al. Infrared spectroscopic imaging for noninvasive detection of latent fingerprints. Journal of Forensic Sciences, 52(1), 48–53, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1556-4029.2006.00330.x
DAY, J. S. et al. The detection of drugs of abuse in fingerprints using Raman spectroscopy II: cyanoacrylate-fumed fingerprints. Spectrochimica Acta Part A: Molecular and Biomolecular Spectroscopy, 60(8–9), 1725–1730, 2004. https://doi. org/10.1016/j.saa.2003.09.013
DELORENZO, R.; KIMBROUGH, D. R. Solving the Mystery of the Fading Fingerprints with London Dispersion Forces. Journal of Chemical Education, 75(10), 1300, 1998. https://doi.org/10.1021/ ed075p1300
EWING, A. V.; KAZARIAN, S. G. Infrared spectroscopy and spectroscopic imaging in forensic science. Analyst, 141(2), 257–272, 2017. https://doi.org/10.1039/c6an02244h
FARIA, D. L. A. de; TEMPERINI, M. L. A.; SALA, O. Vinte anos
de efeito SERS. Química Nova, 22(4), 541–552, 1999. https://doi. org/10.1590/S0100-40421999000400013
FIGUEROA, B. et al. Label-Free Chemical Imaging of Latent
Fingerprints with Stimulated Raman Scattering Microscopy. Analytical Chemistry, 89(8), 4468–4473, 2017. https://doi. org/10.1021/acs.analchem.6b04213
FLEISCHMANN, M.; MCQUILLAN, P. J. H. and A. J. Raman
spectra of pyridine adsorbed at a silver electrode. In Top (Vol. 26, Issue 2, pp. 163–166), 1974. https://doi.org/10.1007/bf02578984
GIROD, A.; RAMOTOWSKI, R.; WEYERMANN, C.
Composition of fingermark residue: A qualitative and quantitative review. In Forensic Science International (Vol. 223, Issues 1–3, pp. 10–24), 2012. https://doi.org/10.1016/j.forsciint.2012.05.018
Guide to Ingrared Spectroscopy. (2021). https://www.bruker.com/ content/bruker/int/en/products-and-solutions/infrared-and-raman/ ft-ir-routine-spectrometer/what-is-ft-ir-spectroscopy.html
HUDSON, M. et al. Drug screening using the sweat of a fingerprint: Lateral flow detection of ’ “ 9 -tetrahydrocannabinol, cocaine, opiates and amphetamine. Journal of Analytical Toxicology, 43(2), 88–95, 2019. https://doi.org/10.1093/jat/bky068
Instrumental Analysis of Cultural Heritage Objects. (2021). https:// sisu.ut.ee/heritage-analysis/book/32-raman-spectroscopy
KNEIPP, K. Surface-enhanced Raman scattering. Phys. Today, 60(November), 40–46, 2007. www.physicstoday.org
LAVINE, B. et al. Criteria for comparing infrared spectra – A review of the forensic and analytical chemistry literature. Forensic Chemistry, 18( January), 100224, 2020. https://doi.org/10.1016/j. forc.2020.100224
MUEHLETHALER, C.; LEONA, M.; LOMBARDI, J. R. Review
of Surface Enhanced Raman Scattering Applications in Forensic Science. Analytical Chemistry, 88(1), 152–169, 2016. https://doi. org/10.1021/acs.analchem.5b04131
NG, P. H. R. et al. Detection of illicit substances in fingerprints by infrared spectral imaging. Analytical and Bioanalytical Chemistry, 394(8), 2039–2048, 2009. https://doi.org/10.1007/s00216-009-
2806-9
SKOOG, D. et al. Princípios de Análise Instrumental. [s. l.]:
Bookman, 2009.
SOUZA, M. A. et al. The adsorption of methamphetamine on Ag nanoparticles dispersed in agarose gel – Detection of
methamphetamine in fingerprints by SERS. Vibrational Spectroscopy, 98(August), 152–157, 2018. https://doi.org/10.1016/j. vibspec.2018.08.008
TANG, H. W. et al. Gold nanoparticles and imaging mass spectrometry: Double imaging of latent fingerprints. Analytical Chemistry, 82(5), 1589–1593, 2010. https://doi.org/10.1021/ ac9026077
VADIVEL, R.; NIRMALA, M.; ANBUKUMARAN, K.
Commonly Available, Everyday Materials as Non-conventional Powders for the Visualization of Latent Fingerprints. Forensic Chemistry, 24(April), 100339, 2021. https://doi.org/10.1016/j. forc.2021.100339
ZHOU, Y. Y. et al. Preparation of Aptamer-functionalized Au@ pNTP@SiO2 Core-Shell Surface-enhanced Raman Scattering Probes for Raman Imaging Study of Adhesive Tape Transferred- Latent Fingerprints. Chinese Journal of Analytical Chemistry, 47(7), 998–1005, 2019. https://doi.org/10.1016/S1872-2040(19)61171-0
INfORmAçõEs AdICIONAIs E dECLARAçõEs dOs AuTOREs (integridade científica) Declaração de conflito de interesse: O(s) autor(es) confirma(m) não haver conflitos de interesse na condução desta pesquisa e na redação deste artigo. Declaração de autoria: Todos e apenas os pesquisadores que atendem os requisitos de autoria deste artigo são listados como autores; todos os coautores são integralmente responsáveis por este trabalho em sua totalidade. Declaração de originalidade: O(s) autor(es) assegura(m) que o texto aqui publicado não foi previamente divulgado em qualquer outro local e que a futura republicação apenas será feita com expressa referência desta publicação original; também atesta(m) que não há plágio de material de terceiros ou autoplágio. |
COmO CITAR (ABNT BRAsIL) |
SOUZA, Marco Antonio de. A química instrumental e a identificação humana: aplicações e potenciais. Revista Brasileira de Ciências Policiais, Brasília, v. 13, n. 8, p. 71-93, mar. 2022. https://doi.org.br/10.31412/rbcp.v13i8.931 |
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional. |