Transnational Criminal Organization: Responding to Risk with Intelligence
Organización Penal Transnacional: Respondiendo al Riesgo con Inteligência
Submetido em: 07-06-2021.
Aceito em: 24-01-2022.
Felipe Scarpelli de Andrade
Polícia Federal, Brasília/DF, Brasil
[email protected] http://lattes.cnpq.br/6780113389939890
Frederico Novaes de Almeida
Polícia Federal, Brasília-DF, Brasil
[email protected] http://lattes.cnpq.br/7037893631859993
Os planos e ações da segurança pública no combate à criminalidade organizada transna- cional devem considerar, para a estruturação e solução do problema, fatores interligados sistemicamente nos diversos níveis da sociedade – e não somente a importante tarefa da apuração criminal que, em sua atuação pontual, não elimina a causa e não alcança o objetivo pretendido de forma plena. Tomando-se como exemplo a maior organização criminosa transnacional da América Latina, o PCC (Primeiro Comando da Capital) paulista, a dimensão de ameaça a governos e sociedade compromete a consecução dos objetivos fundamentais do Estado, bem como tangencia a erosão de seus próprios fun- damentos. Este artigo tem por objetivo apresentar a importância de se instrumentalizar o Conhecimento de Inteligência no processo de assessoramento à tomada de decisão governamental, a fim de se conhecer o fenômeno criminal complexo para avançar além da eficácia local e momentânea, proporcionada pela persecução criminal. Ao propor uma visão científica da realidade, dotada de ferramentas e metodologias de análise e gestão do conhecimento, a exemplo da Value-Focused Thinking (VFT), pretende-se equipar a Inteligência Estratégica em sua função de conselheira do Estado para o enfren-
Revista Brasileira de Ciências Policiais
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Brasília, v. 13, n. 8, p. 333-358 , Mar./2022
ISSN 2178-0013
333
ISSN Eletrônico 2318-6917
tamento ao crime organizado transnacional, pelo que permite a compreensão dilatada dos diversos fatores de influência relacionados ao seu fortalecimento.
Palavras-chave: organizações criminosas transnacionais; inteligência estratégi- ca; investigação; segurança pública.
The plans and actions of public security in the fight against transnational organized crime must consider, for the structuring and solution of the problem, systemically interconnect- ed factors at the different levels of society - and not only the important task of criminal investigation which, in its punctual performance, does not eliminates the cause and does not fully achieve the intended goal. Taking as an example the largest transnational crimi- nal organization in Latin America, the PCC (First Command of the Capital) in São Pau- lo, the dimension of threat to governments and society compromises the achievement of the fundamental objectives of the State, as well as the erosion of its own foundations.
. This article aims to present the importance of instrumentalizing Intelligence Knowl- edge in the process of advising government decision-making, in order to understand the complex criminal phenomenon in order to advance beyond the local and momentary effectiveness provided by criminal prosecution. By proposing a scientific vision of reality, endowed with tools and methodologies for analysis and knowledge management, such as Value-Focused Thinking (VFT), it is intended to equip Strategic Intelligence in its role as adviser to the State to fight crime transnationally organized, so it allows for a broad understanding of the different influencing factors related to its strengthening.
KEyWORds: transnational criminal organizations; strategic intelligence; investigation; public security.
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Los planes y acciones de seguridad pública en la lucha contra el crimen organizado transnacional deben considerar, para la estructuración y solución del problema, factores sistémicamente interconectados en los diferentes niveles de la sociedad - y no solo la importante tarea de la investigación criminal que, en su puntualidad rendimiento, no elimina la causa y no logra completamente el objetivo previsto. Tomando como ejem- plo la mayor organización criminal transnacional de América Latina, el PCC (Primer Comando de la Capital) en São Paulo, la dimensión de amenaza a los gobiernos y la sociedad compromete el logro de los objetivos fundamentales del Estado, así como la erosión de sus propios cimientos. Este artículo tiene como objetivo presentar la impor- tancia de instrumentalizar el Conocimiento de Inteligencia en el proceso de asesoría en la toma de decisiones del gobierno, a fin de comprender el complejo fenómeno criminal para avanzar más allá de la efectividad local y momentánea que brinda la persecución penal. Al proponer una visión científica de la realidad, dotada de herramientas y me-
todologías de análisis y gestión del conocimiento, como el Value-Focused Thinking (VFT), se pretende dotar a la Inteligencia Estratégica en su rol de asesor del Estado para combatir el crimen organizado transnacionalmente, por lo que permite una compren- sión amplia de los diferentes factores de influencia relacionados con su fortalecimiento.
Palabras clave: organizaciones criminales transnacionales; inteligencia estraté- gica; investigación; seguridad pública.
Introdução
A formação de grupos criminosos em ambientes prisionais é um fenômeno global e histórico. No Brasil, a constituição dessas asso- ciações nas prisões ocorreu, inicialmente, para a autodefesa dos deten- tos, reflexo tanto das ações perpetradas pelas forças de segurança do Estado quanto dos atos de violência praticados pelos próprios internos. Com o tempo, tais grupos buscaram alcançar um nível organizacional mais complexo ao controlar o ambiente carcerário e monopolizar as relações entre os presos.
A internalização da vida criminal no sistema penitenciário, aliada à dificuldade de o Estado ordenar e controlar a população car- cerária, favoreceu a sua consolidação em organizações criminosas mais estruturadas, e facilitou a atuação desses grupos fora dos limites im- postos pelo encarceramento. Com efeito, a sofisticação de organiza- ções criminosas de base prisional ocorre quando detentos começam a influenciar fora deste ambiente (ANDRADE, 2019).
A despeito da importante tarefa de se categorizar os distintos arranjos organizacionais relativos ao crime organizado, o foco deste estudo é identificar a relevância da atividade de Inteligência Estratégi- ca como ferramenta para o enfrentamento às organizações criminosas transnacionais.
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Nessa esteira, propõe-se a ideia de que alcançar o efeito espera- do sobre o complexo quadro da segurança pública postula planejamen- to estratégico, e não apenas metas ao mesmo tempo vagas e inflexíveis, puramente formais e separadas pelos atores que possuem relação direta ou indireta com este processo. O legislador elabora normas e regras; o policial busca prender o maior número de criminosos; o juiz tenta
julgá-los dentro do prazo legal; o policial penal os mantém nas celas até que venha a ordem de libertá-los. Não há uma abordagem coorde- nada que trate este processo de forma integral, tampouco uma análise prospectiva voltada para identificar possíveis ações que atuem no de- créscimo dos índices de violência, não obstante todos cumprirem as suas obrigações individuais (ANDRADE, 2019).
Feltran (2018) sugere que quando um criminoso é preso ven- dendo drogas, surge, em seguida, outro traficante para ocupar o seu lugar, além de um presidiário onerando os cofres públicos enquanto se profissionaliza no crime. Não há um planejamento governamental que defina, sistematicamente, ações para orientar o alcance dos objetivos fundamentais do Estado, isto é, encontrar soluções mais efetivas que o importante, mas limitado, binômio repressão-contenção.
O desafio da segurança pública no combate à criminalidade organizada deve considerar não somente a importante tarefa da apu- ração judicial, representada pela equação simplificada de que repressão ao crime organizado é a busca de autoria e de materialidade. Convém, igualmente, levar em conta a necessidade de se conhecer o fenômeno criminal para avançar além da eficácia local e momentânea que, de for- ma geral, não elimina a causa e não alcança o objetivo pretendido de forma plena.
O modelo reativo e repressivo adotado pelo Estado deve apri- morar-se, evitando o foco limitado às atribuições institucionais, na medida em que se orientam exclusivamente com os produtos e ava- liações associados com o seu próprio órgão. Os resultados entregues pela ação estatal devem promover mudanças profundas em termos da eficácia e da efetividade e, portanto, necessitam de uma estrutura de pesquisa, análise técnica e produção do conhecimento integrado e em nível estratégico (CARDOSO, 2011; ANDRADE, 2019).
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Essa é uma característica própria da atividade de Inteligência. Uma vez instrumentalizada pelo Estado, a Inteligência Estratégica pode orientar a adoção de práticas flexíveis e proporcionais, amparadas por uma abordagem cientificamente estruturada que considera distin- tas variáveis que influenciam e são influenciadas pela dinâmica do cri- me organizado. Trata-se de um processo que visa auxiliar a tomada de decisão com ferramentas e metodologias específicas de análise e gestão do conhecimento.
O conceito de Inteligência de Estado é apresentado pelo De- creto n.º 4376/02, que regulamentou a Lei n.º 9.883/99 e dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN):
Art. 2º Para os efeitos deste Decreto, entende-se como inte- ligência a atividade de obtenção e análise de dados e infor- mações e de produção e difusão de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, relativos a fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisó- rio, a ação governamental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.
Evidencia-se, do precitado Decreto, a necessidade de se estabe- lecer procedimentos de obtenção e processamento de dados e informa- ções por parte dos órgãos públicos subordinados ao Estado. Entretan- to, o normativo apresenta o que deve ser feito, e não como fazê-lo. Ou seja, é preciso organizar um conjunto de ações que proveja um proces- so de busca e análise de informações, na medida em que o normativo indica a “atividade de obtenção e análise de dados e informações de conhecimento”.
É o que Gonçalves (2008) propõe, ao sugerir a imprescindibili- dade de se processar o conhecimento por meio de “análise com base nos princípios e métodos da doutrina de Inteligência”. Nesse mesmo sentido, o conceito da atividade de Inteligência na segurança pública, regulamen- tado por meio da Resolução n.º 1, de 15 de julho de 2009, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, impõe a necessidade de um processo sis- temático e ações especializadas de produção do conhecimento:
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É a atividade permanente e sistemática via ações especia- lizadas que visa identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais sobre a segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem planejamen- to e execução de políticas de Segurança Pública, bem como ações para prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza, de forma integrada e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos;
Em linhas gerais, este processo é traduzido pela abordagem denominada Ciclo da Produção do Conhecimento (CPC), ou Me- todologia da Produção do Conhecimento (MPC). Fundamenta-se na Teoria do Conhecimento, ao apropriar-se de distintas abordagens filosóficas determinantes para a construção do Conhecimento de In- teligência, tais como o intelectualismo, o realismo crítico, o ceticismo metódico e o pragmatismo (PATRÍCIO, 2009).
Figura 1 – Ciclo da Produção do Conhecimento (CPC)
Fonte: Elaboração própria com base na Doutrina de Inteligência da Polícia Federal
O Conhecimento de Inteligência baseia-se na epistemologia, no estudo do conhecimento, por meio do qual apresenta métodos dos diferentes ramos do saber científico (PATRÍCIO, 2009). A racionali- zação de uma estrutura para assessorar a tomada de decisão é elemento adequado para aumentar a capacidade do decisor em distinguir op- ções aparentemente equivalentes em um contexto mais amplo. Desse modo, salienta-se que há distintas técnicas e ferramentas de análise es- truturada que podem apoiar a elaboração de um Conhecimento de In- teligência, tais como: Matriz de Impactos Cruzados, What if ? Analy- sis, Método Delphi, Matriz Swot, Análise de Riscos, Mapeamento de Processos, Apoio à Decisão Multicritério, Value-Focused Thinking, en- tre outras (RICHARDS ; RANDOLPH, 2011).
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O CPC, por sua vez, refere-se à modelagem de um procedi- mento básico de produção do Conhecimento de Inteligência, cartesia- no, sustentado em metodologia própria de produção para transformar o dado em conhecimento útil ao assessoramento do processo decisório.
Independentemente da técnica utilizada, o assessoramento provido pela atividade de Inteligência pressupõe uma estrutura meto- dológica, isto é, um processo científico especializado para que a toma- da de decisão tenha bases sólidas.
Nesse sentido, o emprego da atividade de Inteligência na se- gurança pública torna-se, cada vez mais, importante instrumento de combate à criminalidade organizada, sobretudo quando implementa- da em nível estratégico, pelo que permite conhecer as causas e prospec- tar o fenômeno da criminalidade para compreender quais são os fato- res de influência e tendência(s) a ele associados (MINGARDI, 2007).
O combate ao crime, notadamente o de alta complexidade, necessita de conhecimentos estratégicos, pois entender e revelar os as- pectos ocultos da atuação criminosa - que seriam de difícil constatação pelos meios clássicos de investigação policial -, permitem reconhecer os perigos e as vulnerabilidades, as ameaças reais ou potenciais e os seus respectivos reflexos na sociedade. Difere-se, pois, da investigação, que em geral surge após o crime, agindo sobre elementos que versam sobre o passado.
Dessa forma, dada a necessidade de o governo organizar e es- truturar mecanismos para prover alguns tipos específicos de informa- ção, convém que o Estado se aproprie, efetivamente, do processo de assessoramento intrínseco à Inteligência Estratégica. Apoiar a tomada de decisão significa oportunizar a antecipação ao fato, agindo sobre elementos que procuram visualizar o futuro.
Essa é uma importante característica do assessoramento pro- vido pela Inteligência Estratégica: a sua natureza consultiva. Isto é, trata-se de atividade meio, normalmente antecipatória e preparatória. Como consequência, uma importante diferença entre a investigação e a inteligência reside na sua finalidade. Enquanto a primeira tem por objetivo a persecução criminal, regido por ordenamento jurídico pró- prio com efeito limitado, a segunda trata do assessoramento de uma determinada tomada de decisão cuja abordagem sugere considerar contornos mais abrangentes.
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A despeito da importância da atividade de polícia judiciária
ao instruir inquéritos policiais com o objetivo de apurar autoria, ma- terialidade e circunstâncias de um possível delito, conclui-se proviso- riamente que falta uma discussão maior sobre o papel da Inteligência Estratégica na segurança pública. Não há um espírito de pesquisa, de análise, orientada a identificar e perseguir os objetivos fundamentais do Estado. O produto dessa atividade permite assessorar autoridades governamentais no planejamento, execução e acompanhamento dos programas, ações, e até mesmo na formulação de políticas públicas na área de segurança pública.
Ainda que haja uma distinção definida pela finalidade, há uma zona de convergência entre a atividade de Inteligência de segurança pública e a investigação, pelo que ambas lidam com o crime, com o transgressor e com as circunstâncias. É nesse contexto que se defende a ideia da utilização da Inteligência Estratégica como instrumento in- formacional, pois permite alcançar patamares de conhecimento mais amplos do que aquele proporcionado pela persecução penal.
Assim, convém que o trabalho de assessoramento provido pela Inteligência busque, sobretudo, analisar padrões da criminalidade, identificar o perfil das organizações, associar padrões da incidência criminal aos fatores urbanos e populacionais, prospectar as suas ten- dências e interpretar possíveis cenários baseados em riscos. Este tipo de assessoramento estratégico é ainda mais importante quando a ameaça advém de grupos criminosos mais complexos, notadamente aqueles conceituados como organizações criminosas transnacionais.
A Convenção de Palermo, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, definiu organização cri- minosa como:
um grupo estruturado de 3 ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício eco- nômico ou outro benefício material.
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Segundo o United Nations Office on Drugs and Crime (UNO- DC) (2010), Crime Organizado Transnacional é um empreendimento criminal contínuo, que racionalmente trabalha para lucrar com ativi-
dades ilícitas que estão na demanda do grande público. Sua existência é mantida pelo uso da força, ameaça, e/ou a corrupção de funcionários públicos, incluindo delitos cuja origem, prevenção e/ou efeito direto ou indireto envolvem mais de um país.
Em linhas gerais, é possível analisar as organizações crimino- sas transnacionais de duas maneiras: i) por meio de uma abordagem voltada para os grupos de criminosos profissionais, e ii) com o foco orientado para as atividades ilícitas (UNODC, 2010).
Ainda que a maior parte da atenção governamental seja dada à primeira abordagem, ao se valer de procedimentos voltados para a pri- são e apreensão - e que pode apresentar algum sucesso em nível local -, a maioria dos problemas do crime organizado atualmente parecem ser menos uma questão de um grupo de indivíduos que estão envolvidos em uma série de atividades ilícitas, e mais uma questão de um grupo de atividades ilícitas em que alguns indivíduos estejam implicados. Estra- tégias voltadas exclusivamente para a primeira abordagem não irão im- pedir as atividades ilícitas, caso as vulnerabilidades permaneçam não tratadas (UNODC, 2010).
Quando há crimes que são praticados com o auxílio da tecno- logia, que ultrapassam os limites do território nacional, considerados de alta complexidade, demanda-se análise informacional e conheci- mento amplo da temática. Por outro lado, quando se trata o problema de forma episódica, o trabalho é realizado apenas parcialmente, pois brevemente haverá novas operações policiais que combaterão as mes- mas práticas, porém, com autores diferentes (ANDRADE, 2013).
Os métodos de investigação criminal orientados para o com- bate e o processamento de crimes comuns, valendo-se de instrumentos como interceptações telefônicas, infiltração de agente policial, delação premiada, entre outros, não são suficientes para o enfrentamento das organizações criminosas estruturadas. Ademais, não são instrumentos de prova prospectivos, no sentido de se conhecer o fenômeno criminal.
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Muito mais do que a simples evolução de métodos investigati- vos, atualmente busca-se a antecipação ao fenômeno, conhecendo-o, bem como a sua intrínseca relação econômico-político-social com ato-
res estatais e não estatais. Como corolário, a atividade de Inteligência Estratégica desempenha essa função - e não a Justiça Criminal -, pelo que busca um conjunto de diagnósticos e prognósticos no sentido de projetar cenários de risco e minimizar situações de conflito.
É nesse sentido que Robert Clark (2010) define o espectro temporal entre os níveis de inteligência. A estratégica pressupõe uma complexidade muito maior do que os níveis tático ou operacional, e requer, portanto, período alargado de maturação para análise profun- da e extensiva de recursos e capacidades, alianças, conflitos, planos e intenções de organizações criminosas transnacionais. Ainda, pressu- põe uma política de investimento na área, que no princípio parecerá competidora pelos recursos do próprio enfrentamento à criminalida- de, mas que no longo prazo compensará nos prejuízos dos efeitos na sociedade, potencialmente evitados.
Trata-se de um grande desafio não só para os Estados, mas tam- bém para a Comunidade Internacional, que necessita buscar informa- ções relevantes para a cooperação e integração não apenas ao sistema judiciário, mas considerar, de forma ampla, diversos fatores de diferen- tes importâncias na estruturação e solução do problema.
Os atores da segurança pública devem reestruturar a sua forma de atuação e considerar a atividade de Inteligência Estratégica como um importante instrumento do Estado: é preciso compreender as cau- sas e os fatores que levam organizações criminosas a se tornarem com- plexas, transmutando-se de uma ameaça para a paz doméstica em uma ameaça transnacional.
É consenso entre os especialistas que a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) é a maior e mais organizada da América do Sul (DIAS ; DARK, 2016; BIONDI, 2010; DIAS ; SAL-
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LA, 2013), estabelecida por oito presos em 1993 no anexo da Casa de
Custódia de Taubaté/SP, na época considerada a prisão mais segura do país.
Segundo seus fundadores, o grupo foi criado para combater a opressão dentro do sistema prisional em São Paulo e vingar a morte de 111 detentos, ocorrida em 1992 no complexo penitenciário do Caran- diru. O episódio ficou conhecido como o “Massacre do Carandiru”, em que uma disputa entre dois grupos rivais pelo controle de drogas na prisão foi repelida pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, o que restou em um saldo de 111 detentos mortos (DIAS; SALLA, 2013).
Atualmente, segundo dados do Ministério Público de São Pau- lo, o PCC tem mais de 30 mil pessoas presas no Brasil e cerca de 15 mil membros ainda livres na sociedade. As principais fontes de renda do grupo são tráfico de drogas, rifas (interna e externamente às prisões) e uma taxa mensal paga por um indivíduo pertencente ao grupo, co- nhecido como “Cebola”. Outros fatores críticos para a manutenção e fortalecimento do grupo são: controle prisional, lavagem de dinheiro e o número de membros “batizados” (FELTRAN, 2018).
Venda de
Rifas (Cebola)
Lavagem de
Dinheiro
Controle
Prisional
Batismo de
novos integrantes
Tráfico de
Drogas
Figura 2 – Fatores críticos do PCC
Fonte: Elaborado pelos autores
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Embora alguns membros/setores do PCC se envolvam em se- questros, roubos seguidos de homicídios e assaltos a bancos, a maior
parte da receita do grupo provém do tráfico de drogas. No entanto, existem numerosos exemplos do papel do PCC em assaltos de grande repercussão, tanto dentro como fora do território brasileiro.
No interior do Estado de São Paulo, na cidade de Ribeirão Pre- to, por exemplo, cerca de quarenta criminosos, com explosivos, armas de grosso calibre e um trator, participaram do assalto à Prosegur, em- presa de transporte de valores. A ação do grupo rendeu cerca de quinze milhões de dólares1.
Em 2017, no Paraguai, houve outro assalto milionário à mesma empresa de transporte de valores. Desta vez a ação ocorreu em Ciudad del Este, fronteiriça à cidade brasileira de Foz do Iguaçu, onde cerca de trinta membros da facção, usando armas como metralhadoras, rifles e explosivos roubaram cerca de quarenta milhões de dólares2.
Segundo Feltran (2018), o funcionamento do PCC não é bem descrito por modelos hierárquicos baseados em analogias empresariais ou militares. O autor argumenta que a organização não possui coman- do centralizado e personalizado, não visa o lucro e sua autoridade não se baseia em subordinação incondicional. Ao contrário, o autor sugere sua convergência com sociedades secretas como a maçonaria, nas quais existe uma rede de “irmãos” que, seguindo cada um em seu caminho, possuem uma “ética” comum e se auxiliam trocando informações, mi- nimizando conflitos e potencializando vantagens.
A principal característica do PCC sugerida por Feltran (2018) é que a fonte de seu poder não é o medo, mas a eficácia demonstra- da em defender os interesses dos que estão em sua zona de influên- cia. Destarte, nos presídios controlados pela organização os estupros e os assassinatos por motivo fútil deixam de acontecer. Nas regiões de tráfico de drogas o preço é tabelado. E mais, nos bairros em que a or- ganização está presente, traficantes associados ao grupo não utilizam armamento pesado ostensivamente, o que reflete significativamente na diminuição do número de assassinatos.
Disponível em <http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2016/07/imagens-ineditas- mostram-grupo-que-assaltou-prosegur-em-ribeirao-preto.html>
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Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/24/internacional/1493047109_595943. html>
Para uma população que está distante do sistema judiciário, para quem a polícia é tanto fonte de opressão quanto de proteção, a “justiça” do PCC serve como garantia efetiva contra abusos cotidianos de direitos. O que o grupo oferece é a paz entre os ladrões e a paz entre estes e a população local (FELTRAN, 2018).
Soma-se às questões apresentadas o quadro dos sistemas pri- sionais no Brasil, que se encontra próximo do número de setecentas mil pessoas. O déficit total de vagas ultrapassa os trezentos mil lugares, sendo necessários setecentos novos estabelecimentos penais com qui- nhentos presos para atender a demanda atual (DEPEN, 2016). Não houve mudança significativa no modelo adotado ao longo dos anos, exceto em casos específicos - como o da pandemia da doença causada pelo novo coronavírus 2019 -, e não há perspectivas favoráveis para que isso ocorra.
Como reflexo, a falta de uma visão estratégica, sistemática e inte- grada, não reconhece as vulnerabilidades e cria oportunidade para orga- nizações criminosas estabelecerem-se não somente nas unidades prisio- nais, tampouco extramuros pátrios, mas também em nível transnacional.
O processo de expansão do PCC para outros estados, especial- mente em função das transferências dos responsáveis por esses grupos, permitiu que os líderes criminosos contatassem grupos e facções de outras unidades da Federação. Esse intercâmbio promoveu dois perío- dos subsequentes de institucionalização do crime no Brasil, que resul- taram na sofisticação das estruturas organizacionais ilícitas em todas as regiões do País e, posteriormente, em outras nações, como Paraguai, Bolívia, Peru, Venezuela, Guiana, Suriname, Argentina e El Salvador (BIONDI, 2017).
Além dos países da América do Sul, o PCC já se instalou e do- mina grande parte do tráfico de drogas para o continente europeu: o maior mercado de compra de drogas da organização criminosa é da Europa. E mais, pesquisadores indicam o suposto interesse do grupo em entrar na competição para alcançar o mercado norte-americano (FARAH, 2016a).
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Além disso, segundo Azevedo (2018), existe uma possível asso-
ciação entre o grupo libanês Hezbollah e o PCC. Alguns especialistas afirmam o mesmo: não demorou muito para que o Hezbollah come- çasse a trabalhar em conjunto com o PCC. Sua associação suposta- mente começou em 2006 (FARAH, 2011; PALMER, 2016), quando narcotraficantes libaneses ligados ao Hezbollah começaram a traba- lhar em conjunto com o PCC.
Depreende-se do exposto que a falta de uma governança na política pública de segurança pública permite o fortalecimento das organizações criminosas. O sistema carcerário brasileiro também pro- duz e reproduz a violência em diversos níveis, em uma espiral que se retroalimenta diante da abordagem obtusa do Estado. Em menos de trinta anos, o grupo estruturou-se e foi além das prisões com tal grau de complexidade que se transformou em um ator transnacional não estatal violento.
Nesse contexto, as instituições envolvidas com a segurança pú- blica devem mudar a forma como definem seus objetivos. O fortaleci- mento das organizações criminosas no Brasil, especialmente o PCC, demandam do Estado a compreensão do fenômeno criminal em um contexto mais amplo.
Para essa tarefa, a ciência utilizada como ferramenta de produ- ção de informação é especialmente importante, pois permite o reco- nhecimento de características como o uso de replicabilidade, hipótese, método analítico, análise estatística, verificação de vulnerabilidades epistemológicas, análise de decisão multicritério e gestão de risco es- tratégico.
Conforme exposto, o Conhecimento de Inteligência estraté- gica se vale de inúmeros procedimentos, ferramentas e metodologias para abordar decisões importantes de maneira racional. Esse proces- so permite conceituar e selecionar meios alternativos de atingir metas com base em um horizonte de longo prazo.
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Segundo Keeney (1996), os enfoques tradicionais para a to- mada de decisão concentram-se na geração e avaliação de alternati- vas. Nesta abordagem, denominada por ele como Alternative Focused Thinking (AFT), as decisões são pautadas tão somente nas alternati-
vas disponíveis naquele momento, para somente depois considerar os objetivos ou critérios para avaliá-los. Keeney (1988, 1992) sugere que essa abordagem falha em atingir a máxima eficácia porque restringe o foco.
O autor indica que as alternativas são relevantes somente quando constituem meios para se atingir o que realmente importa: os valores. Nesse sentido, os valores – e não as alternativas -, deveriam ser a força motriz de todo o processo de tomada de decisão. Como reflexo, há necessidade de maior profundidade, de uma estrutura clara e uma sólida base conceitual no desenvolvimento de objetivos para contextos de decisão (KEENEY, 1996).
Assim, uma outra forma de pensar focada em valores foi pro- posta por Keeney (1992, 1994, 1996), denominada Value-Focused Thinking (VFT). Este procedimento direciona o estudo à explicitação dos valores – e consequentemente dos objetivos -envolvidos no pro- cesso de decisão, para somente depois agregar a geração de alternativas para alcançá-los. Trata-se de um importante processo para estruturar problemas complexos que visa identificar aquilo que realmente deve ser considerado como norteador geral para o seu processo de decisão (KEENEY; VON WINTERFELDT, 2011).
Resumidamente, o processo é elaborado da seguinte forma: (1) técnicas ajudam a compilar uma lista inicial de objetivos; (2) os objeti- vos são categorizados e estruturados de maneira lógica; (3) através de alguns procedimentos, os objetivos são usados para criar alternativas;
(4) os objetivos são examinados para identificar oportunidades de de- cisão que valham a pena.
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Os objetivos podem ser obtidos por meio de entrevistas com os decisores e são divididos em três classes: objetivos fundamentais, obje- tivos estratégicos e objetivos meios. Os objetivos fundamentais carac- terizam a razão essencial para o interesse na situação de decisão. Já os estratégicos orientam os objetivos meio, os quais provêm os atributos para atingir os objetivos fundamentais (KEENEY, 1992).
Figura 3 – Value-Focused Thinking
Fonte: Adaptado pelos autores de Keeney (1996)
Em um de seus estudos, Keenney analisou um conjunto de objetivos do Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS), e definiu métricas para medir cada objetivo em função da utilidade e compensações de valor relevantes para a realização de investimentos em segurança pública. Michael Chertoff, então secretário do DHS, ca- racterizou esta tarefa da seguinte forma (KEENEY, 2011):
We have to identify and prioritize the risks–understanding the threat, the vulnerability, and the consequences. And then we have to apply our resources in a cost-effective manner.3
Segundo Keeney (2011), uma das tarefas mais desafiadoras dos formuladores de políticas de segurança pública é alocar seus recursos limitados para reduzir os riscos relacionados à criminalidade organiza- da. O autor indica que para realizar essa tarefa, é útil desenvolver um conjunto abrangente de objetivos, métricas para medir cada objetivo, uma função de utilidade e compensações de valor relevantes para alo- car esses recursos direcionados a esses objetivos.
Diante disso, propõe-se a estruturação do problema relativo ao cenário da organização criminosa transnacional PCC por meio da abordagem VFT, a fim de identificar os principais objetivos que deve- riam ser considerados no processo de tomada de decisão. Contudo, a abordagem será apresentada sob o ponto de vista do PCC, e não no escopo da segurança pública. Com efeito, espera-se melhor compreen-
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Tradução do Editor: “Temos que identificar e priorizar os riscos – entendendo a ameaça, a vulnerabilidade e as consequências. E então temos que aplicar nossos recursos de maneira econômica.”
der a temática e auxiliar na capacidade de desenvolver análises com base nos possíveis objetivos da organização criminosa. Destarte, pros- pectar os objetivos estratégicos da organização e as subjacentes ações criminosas para alcança-lo é o primeiro passo para permitir que o go- verno atue de maneira preventiva, integrada e coordenada, seja para reduzir a probabilidade de sua ocorrência ou para mitigar os eventos indesejados.
Figura 4 – Value-Focused Thinking do PCC
Fonte: Elaborado pelos autores
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O processo desenhado na Figura 4 permite compreender as possíveis estratégias de fortalecimento do grupo e, consequentemente, identificar quais ações são necessárias para que a organização não atin- ja seu objetivo fundamental, isto é, o seu fortalecimento. Para tanto,
foram elencados os objetivos estratégicos necessários ao seu desenvol- vimento: fomentar a ideologia da organização criminosa; aumentar lucros e estabelecer relações de cooperação com outras organizações criminosas.
Neste ponto, poder-se-ia argumentar, com a maioria dos auto- res acerca do PCC, que seu objetivo fundamental é o lucro. Entretan- to, a evolução da facção criminosa, delineada apenas resumidamente acima, sugere que há um vetor entre as diversas fases de sua expansão, em torno do qual parece se desenrolar a luta por sua sobrevivência.
Desde a fundação e os massacres prisionais da década de 90, durante os quais o objetivo era a luta pela sobrevivência, o elemento que pode ser chamado de político serviu à estruturação formal da or- ganização, porém não se pode dizer que a ideologia é o fator funda- mental, ainda que sirva de “cola” para a disciplina. Tampouco o lucro por si o explica, uma vez que a facção abdicou, em diversas ocasiões, de receitas imediatas para estabelecer “território” prisional (redução da “cebola” para ampliar os batismos ou mesmo sua suspensão durante conflitos intramuros, relatado em Manso; Dias, 2018). Muito embora é forçoso reconhecer que a metodologia empresarial foi fundamental na racionalização e expansão dos negócios.
Mesmo assim, na direção de uma visão mais abrangente da to- mada de decisões da organização, e recorrendo à teoria da inteligência cognitiva proposta por Lévy (1993), entende-se que uma rede contex- tual de significados modifica sua configuração a cada nova iteração, ou etapa evolutiva, incorporando novas associações em uma estrutura fractal que ecoa os sentidos mutuamente referenciados em qualquer escala.
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Neste sentido, a cada passo na evolução do PCC, da sobrevi- vência à proteção carcerária, de agência reguladora da ética no mundo do crime ao controle de rotas logísticas e estabelecimento de parcerias internacionais, novas facetas ou objetivos estratégicos incorporados refletem-se em sua estrutura em qualquer nível, podendo ser interpre- tados como aspectos de uma única força motriz que alimenta cada um deles, qual seja, o fortalecimento do próprio PCC.
O crescimento da Orcrim se mostra, assim, orgânico e evoluti- vo, como uma banda de rádio aumentando seu raio de atuação, expan- dindo seu espectro de frequência e sintonizando membros e células, enquanto se confronta, em seu ambiente antagônico, com frequências dissonantes do Estado, facções rivais e outros atores não estatais.
A dinâmica do fortalecimento do PCC se dá em um universo cada vez mais convergente do crime e suas estruturas paralelas de con- trole da população com as fundações do próprio Estado, na medida em que à corrupção de agentes públicos soma-se a concorrência por cargos eletivos financiados pelo lucro das atividades criminosas.
Segundo Muggah e Sullivan (2018), o resultado sistêmico des- tas conformações, chamadas de “crime wars”, é uma erosão do Estado e a desestabilização de governos, mesmo que estes não sejam objetivos das organizações criminosas. Enquanto não houver uma abordagem mais abrangente a estes fenômenos, o custo social, humanitário e polí- tico apenas aumentará.
Daí a importância de a inteligência estratégica perscrutar o sis- tema de valores que orientam a tomada de decisões no planejamento do PCC. Para Keeney (1992), o que importa em um problema de de- cisão é articular de forma a entender os valores para usá-los na seleção de decisões significativas a fim de criar melhores alternativas do que as previamente identificadas; e avaliar cuidadosamente a desejabilidade dessas alternativas. Aplicado sob o ponto de vista das organizações cri- minosas, o procedimento VFT oportuniza a capacidade de compreen- der distintas ações que podem prevenir ou mitigar os efeitos indeseja- dos de uma determinada ameaça, em contexto amplo.
Este entendimento é recomendado dada a complexidade e a amplitude das atividades criminosas, em âmbito interno e transna- cional, porquanto não é suficiente buscar combater o crime organiza- do apenas com atividades especiais de caráter policial. Como aponta Gonçalves (2003), os setores de inteligência devem ser acionados, pla- nejamentos feitos e cenários traçados.
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Este trabalho sugere que estudos e ferramentas de gestão do Conhecimento de Inteligência sejam realizados, tal qual o descri- to pelo procedimento VFT, a fim de compreender ações que atuem
na redução da probabilidade de ocorrência de cenários de risco, bem como um planejamento estratégico e subsequentes planos de resposta em caso da sua concretude.
Considere-se, por fim, que a complexidade das atividades cri- minosas se reflete em outros sistemas da sociedade e do Estado que não apenas o da persecução penal. Levando-se em conta a teoria das “tare- fas restantes” (GARRIDO; STANGELAND; REDONDO, 2006),
aquilo que impacta no sistema criminal frequentemente tem origem nas falhas de diversos outros sistemas (educação, saneamento, saúde, etc.), interligados em uma rede fractal espelhada nos diversos níveis da sociedade.
A abordagem proposta auxilia a possibilidade de o governo atuar preventivamente, estabelecendo políticas e priorizando, de for- ma cartesiana, ações de tratamento orientadas pelos objetivos funda- mentais do Estado elencados na Constituição Federal, resultando na garantia da a paz e tranquilidade social da nação, objetivo este visado pelo presente objeto de estudo.
A violência e a criminalidade no mundo remetem à reflexão sobre a importância e a eficácia das organizações policiais. É preciso discutir o papel das polícias a partir do que elas podem vir a ser e não de acordo com seu papel tradicional na sociedade. Devem ser conside- radas as transformações necessárias para sua maior eficiência consoan- tes às mudanças nas várias esferas das relações sociais.
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A despeito de diversas operações policiais de persecução penal concluídas com êxito, tendo em vista o esclarecimento de autoria e ma- terialidade de determinado crime, o problema foi solucionado somente na esfera formal da ação criminal, sem que necessariamente se esteja di- minuindo a criminalidade por meio dessas investigações. Com efeito, a forma de operar das quadrilhas, o interesse da ação perpetrada pelos criminosos, os seus vínculos, a questão do financiamento da estrutura criminosa, seus objetivos estratégicos foram, de certa forma, perdidos, uma vez que não há um aproveitamento para produzir informações estratégicas que conduzam ao conhecimento amplo da temática.
Portanto, defende-se a propositura de estrutura de pesquisa, análise técnica e produção de Inteligência para encontrar soluções mais eficazes do que o limitado micro processo da persecução crimi- nal. Este é o objetivo da Inteligência Estratégica, ou seja, através de uma significativa quantidade analisada de informações, espera-se com- preender melhor a forma de atuação e as correlações entre pessoas e eventos criminosos no âmbito regional, nacional e internacional.
Dessa forma, evidencia-se a demanda de um planejamento es- tratégico, voltado para a transformação das estruturas políticas, eco- nômicas e sociais, em detrimento de ações de racionalização de pro- cedimentos burocráticos. Alcançar com bons resultados práticos o complexo quadro da segurança pública brasileira expõe a necessidade de ferramentas e métodos racionais de produção do conhecimento.
Para solidificar esse conceito nas forças de segurança pública e fazer frente ao crime organizado transnacional, faz-se necessário bus- car o policial científico, com forte influência acadêmica, que propicia análises técnicas por meio de ferramentas e instrumentos modernos de produção do conhecimento, orientados para o assessoramento do planejamento estratégico.
A partir dos resultados apresentados no trabalho, ficou de- monstrado que há a necessidade no sentido de aprimorar os processos de sistematização, coleta, e análise de informações sobre a temática da segurança pública e atividades desenvolvidas pelo governo em relação à criminalidade organizada transnacional. É preciso fundamentar uma visão científica da realidade, alicerçando o conhecimento em experiên- cias empíricas rigorosamente analisadas em termos metodológicos.
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Para uma atuação preventiva, integrada e sistemática, a Inte- ligência Estratégica permanece como importante ferramenta para o enfrentamento ao crime organizado transnacional, pelo que permite a compreensão dilatada dos diversos fatores de influência relacionados ao seu fortalecimento. Estabelecer projeções e assessorar gestores para a tomada de decisão baseada em Conhecimento de Inteligência opor- tuniza a redução de riscos, e permite o aumento da probabilidade de alcance dos objetivos fundamentais do Estado.
Biografia dos Autores:
Felipe Scarpelli de Andrade
Mestre em Gestão de Riscos com ênfase na Segurança Pública pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE);
Analista de Inteligência Estratégica formado pela
Escola Superior de Guerra (ESG).
Especialista em Inteligência de Segurança Pública pela Universidade Sul de Santa Catarina (UFSC);
MBA em Gestão de Riscos na metodologia Brasiliano.
Agente de Polícia Federal.
Atualmente chefe do Serviço de Análise Estratégica, da Diretoria de Inteligência Policial (DIP/PF).
Professor da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal (ANP/PF) nos Cursos de Formação,
Especialização e Aperfeiçoamento.
Professor da Doutrina de Inteligência (DDCI) da Polícia Federal nos cursos afetos à área de
Inteligência Policial.
Co-autor do método SABRE de análise de riscos da
Polícia Federal.
Co-autor da metodologia ARSO - Análise de Riscos em Segurança Orgânica e Autor da metodologia
Análise de Riscos com Ênfase em Segurança
Portuária (ARESP).
Conteudista da Academia Nacional de Polícia e da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Atualmente atuando na área de Inteligência Estratégica, Inteligência Policial, Gestão de Riscos
e Segurança Pública
Frederico Novaes de Almeida
Agente de Polícia Federal e professor da Polícia Federal na área de inteligência. Possui Especialização em Ciência Policial e Inteligência pela Academia Nacional de Polícia (2012),
graduação em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1998) e graduação em Filosofia pela Universidade
Federal de Minas Gerais (2004).
Tem experiência na área de Segurança Pública e
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Inteligência.
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INfORmAçõEs AdICIONAIs E dECLARAçõEs dOs AuTOREs (integridade científica) Declaração de conflito de interesse: O(s) autor(es) confirma(m) não haver conflitos de interesse na condução desta pesquisa e na redação deste artigo. Declaração de autoria: Todos e apenas os pesquisadores que atendem os requisitos de autoria deste artigo são listados como autores; todos os coautores são integralmente responsáveis por este trabalho em sua totalidade. Declaração de originalidade: O(s) autor(es) assegura(m) que o texto aqui publicado não foi previamente divulgado em qualquer outro local e que a futura republicação apenas será feita com expressa referência desta publicação original; também atesta(m) que não há plágio de material de terceiros ou autoplágio. |
COmO CITAR (ABNT BRAsIL) |
ANDRADE, Felipe Scarpelli de. A inteligência policial e a cooperação interagências no combate ao crime organizado nas fronteiras. Revista Brasileira de Ciências Poli- ciais, Brasília, v. 13, n. 8, p. 333-358, mar. 2022. https://doi.org.br/10.31412/rbcp.v13i8.939 |
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