Artigos

A compatibilização do controle externo da atividade policial com a confiança necessária à cooperação em inteligência

The compatibilization between the police activity supervision and the trustiness needed for the cooperation in intelligence

La compatibilización del control externo de la actividad policial con la confianza necesaria a la cooperación en inteligencia

Rafael Schwez Kurkowski
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Rodney da Silva
Escola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás, Brasil

A compatibilização do controle externo da atividade policial com a confiança necessária à cooperação em inteligência

Revista Brasileira de Ciências Policiais, vol. 14, núm. 11, 2023

Academia Nacional de Polícia

Recepción: 23 Abril 2022

Aprobación: 30 Agosto 2022

Resumo: O artigo problematiza a interoperabilidade entre as agências de inteligência do Ministério Público e das forças de segurança pública. Ele busca compatibilizar o controle externo sobre a atividade policial exercido pelo Ministério Público, que pode ser fator de antagonismo institucional, com a confiança que se faz necessária entre as agências e os atores envolvidos na atividade de inteligência. Para tanto, mediante revisão bibliográfica, análise documental da legislação brasileira correlata e estudo de caso, o trabalho examina o papel constitucional do Ministério Público e o controle externo da atividade policial. Na sequência, identifica a confiança como requisito à cooperação de inteligência entre as agências. O estudo conclui então que os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado e as Unidades de Inteligência, capitaneados pelo Ministério Público, fomentam a relação de confiança, o que permite a interoperabilidade técnica entre os órgãos responsáveis pela segurança pública.

Palavras-chave: inteligência, interoperabilidade, Ministério Público, polícia, compatibilização do controle externo com a cooperação.

Abstract: The paper studies the interoperability among intelligence agencies of the prosecutor office and the public security forces. It intends to stablish a compatibility between the control over the police activity that is performed by the prosecutor office, which can generate institutional antagonism, with the trustiness needed among the agencies and its actors involved in the intelligence. For this purpose, through bibliographic review, document analysis of the Brazilian legislation and case study, it examines the constitutional function of the prosecutor office and the control over the police. Then, it identifies the trustiness as a requirement for the cooperation in the intelligence among agencies. The study concludes that the Special Group of Organized Crime Combat and Intelligence Centers, headed by the prosecutor office, generates trustiness, which allows technical interoperability between those responsible for public safety.

Keywords: intelligence, interoperability. Public Prosecution Office. police. compatibility of the control over police with the cooperation.

Resumen: El artículo estudia la interoperabilidad entre las agencias de inteligencia del Ministerio Publico y das fuerzas de seguridad pública. Busca compatibilizar el control externo sobre la actividad policial ejercido por el Ministerio Publico, que puede ser factor de antagonismo institucional, con la confianza que se hace necesaria entre las agencias y los actores involucrados en la actividad de inteligencia. Para ese fin, mediante revisión bibliográfica, análisis documental de la legislación brasileña correlata y estudio de caso, el trabajo examina el rol constitucional del Ministerio Público y el control externo de la actividad policial. En seguida, identifica la confianza como requisito a la cooperación de inteligencia entre las agencias. El estudio concluye entonces que los Grupos de Actuación Especial de Combate al Crimen Organizado y las Unidades de Inteligencia, coordinados por el Ministerio Público, fomentan la relación de confianza, lo que permite la interoperabilidad técnica entre los órganos responsables por la seguridad pública.

Palabras clave: inteligencia, interoperabilidad, Ministerio Público, policía, compatibilización del control externo con la cooperación.

1. INTRODUÇÃO

O Ministério Público (MP), de procurador do rei, ou seja, representante e defensor dos interesses do soberano[1], transformou-se em defensor da sociedade, tanto sob o ponto de vista criminal quanto civil. No Brasil, por exemplo, segundo o artigo (art.) 127 da Constituição Federal (CF), o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Para o exercício dessas atribuições, o MP relaciona-se ordinariamente com outras instituições, sempre almejando a realização do bem comum e do interesse público, notadamente a segurança pública.

A questão desafiadora consiste em como solucionar o aparente conflito na relação com os órgãos de segurança que, em casos extremos, pode levar ao antagonismo e até à disputa por espaço e reconhecimento institucionais, principalmente considerando que o MP, no exercício do controle externo, pode investigar, de ofício, esses órgãos, o que não se confunde com atividade correcional.

Nesse sentido, o presente artigo problematiza os percalços e os desafios para a manutenção da interoperabilidade entre as agências de inteligência do MP e dos órgãos de segurança pública, propondo-se a responder à seguinte questão: como compatibilizar o exercício do controle externo da atividade policial, atividade de fiscalização por excelência, com a cooperação que se faz necessária em matéria de inteligência, atividade eminentemente colaborativa?

Para responder a esse problema, esta pesquisa, mediante revisão bibliográfica, análise documental e boas práticas reconhecidas pelo sistema, estabelece os seguintes objetivos, apresentados nas seções abaixo. Em primeiro plano, analisa o papel do MP segundo a CF. Em seguida, trata do controle externo da atividade policial, como catalisador de um possível antagonismo institucional. Por fim, examina a inteligência e a consequente necessidade de cooperação entre as agências, identificando a institucionalização da confiança como requisito para a cooperação na atividade de inteligência entre os órgãos.

2. O PAPEL CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público deixou de ser órgão do Poder Judiciário, condição ostentada na CF de 1967, ou apêndice do Poder Executivo, situação verificada com a grande emenda constitucional em 1969. Com o advento da CF de 1988, o MP tornou-se uma instituição permanente e essencial para a tutela da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Sem subordinação hierárquica, tampouco orgânica, com qualquer poder da República, o MP brasileiro, que é compreendido pelo Ministério Público da União (MPU) e pelos Ministérios Públicos dos Estados[2], exerce destacado papel no sistema penal[3], especialmente em razão de ser o único legitimado a “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, segundo o art. 129, I, da CF. Essa legitimidade privativa, a propósito, confere ao MP uma parcela de soberania do Estado (MAZZILLI, 2019, p. 702).

A vedação imposta pelo art. 129, IX, in fine, da CF[4], para o MP prestar representação judicial e consultoria jurídica para entidades públicas, delimitou bem as suas atribuições e avultou a sua independência em relação ao Poder Executivo. Essa vedação foi muito significativa: “causou importante impacto no Ministério Público Federal que antes fazia a defesa da União” (RODRIGUES, 2019, p. 342).

Embora não seja um poder, o Ministério Público “foi erigido a um órgão constitucional de soberania, em posição similar aos chamados ‘Poderes de Estado’. Na realidade, o Ministério Público brasileiro foi alçado à posição de fiscal e controlador dos demais órgãos do Estado” (RITT, 2002, p. 173). Assim, o MP “de hoje tem elevado status constitucional, com um claro perfil nacional” (MAZZILLI, 2019, p. 702).

Observada a sua condição de instrumento para a proteção de direitos, há doutrina que qualifica o MP como verdadeira cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF (GARCIA, 2015, p. 113; MORENO, 2019; RITT, 2002, p. 181). Diante dessa qualidade, nem mesmo a CF poderia ser alterada para abolir a instituição.

No âmbito cível, o MP pode atuar tanto judicial quanto extrajudicialmente para a tutela do meio ambiente, do patrimônio público e social e outros interesses difusos e coletivos, inclusive a segurança pública, conforme a literalidade do art. 129, III, da CF. Mesmo nas ações judiciais que não são ajuizadas pelo MP, mas por outros entes que detêm legitimidade ativa coletiva, o MP intervém como custos legis (fiscal da lei). Logo, inexiste processo que envolva direito coletivo que não passe pela análise da instituição ministerial.

No âmbito criminal, o MP atua visando à garantia da segurança pública, a qual pode ser vista sob duas concepções: como direito ou interesse difuso[5], quando “atua na preservação de valores, em benefício do indivíduo, grupo e pessoas em geral, para a manutenção do equilíbrio da sociedade e da ordem pública e evitar o risco da autotutela”; ou como direito humano, caso em que a segurança pública protege e resguarda valores “para uma qualidade de vida comunitária tranquila e pacífica” (SANTINI; MARQUES, 2019, p. 450).

Ainda sob a óptica da atuação criminal, sabe-se que eventual condenação criminal somente é possível, no Brasil, por meio do devido processo legal, que, no âmbito penal, se inicia por força da acusação deduzida pelo Ministério Público, quando oferece a denúncia. Trata-se do princípio da inevitabilidade do processo penal, segundo o qual a toda prática criminosa deve-se seguir uma ação judicial correspondente, compatível com a regra da necessidade do processo penal, visto que é inadmissível a imposição da pena sem que seja no bojo desse processo (TUCCI, 2002, p. 42).

Em última análise, a condenação criminal e o seu correlato cumprimento exercem funções preventivas. A prevenção geral negativa atina à intimidação dos potenciais criminosos em face da exemplaridade da punição. Já a prevenção geral positiva respeita o reforço da confiança nas leis pelos cidadãos que são fiéis ao direito: ao perceber que o indivíduo é punido quando viola a lei, o cidadão constata que o direito se mantém vigente (KURKOWSKI, 2018).

O Ministério Público revela-se como instituição essencial ao sistema de defesa da paz e do equilíbrio social, uma vez que contribui para a segurança pública não só quando inicia o processo penal e obtém a eventual responsabilização penal do infrator, mas também quando exerce a tutela dos interesses coletivos, especialmente o direito difuso à segurança pública[6]. Exemplo, digno de nota, é a iniciativa do Ministério Público do Estado do Maranhão (2016), que participa de convênio firmado com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão, a Prefeitura Municipal de São Luís/MA, a Câmara Municipal de São Luís/MA e o Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos – IMESC, que trata do projeto de Monitoramento de Dados de Violência na Ilha do Maranhão, por intermédio do Sistema de Informação Geográfico – SIGs. O objetivo central consistente no “desenvolvimento do Diagnóstico da Segurança Pública do Estado do Maranhão, visando à otimização do planejamento e gestão direcionada a proteção dos direitos e liberdades individuais, bem como a proteção da vida e da propriedade dos cidadãos”. Esse monitoramento permite, por exemplo, a identificação de “manchas criminais”, em São Luís/MA, a fim de melhor aproveitar o emprego do policiamento ostensivo.

Não bastassem as inúmeras responsabilidades deferidas pelo legislador constitucional ao Parquet, atribuiu-se o controle externo da atividade policial, missão decorrente do exercício do “dever” de tutela do direito difuso à segurança pública, bem como do início da ação penal, quando constatada a prática de crime (princípio da obrigatoriedade da ação penal).

Para o exercício dessa importante atividade, a “atuação do Ministério Público no controle externo da atividade policial pode estar relacionada ao policiamento de segurança pública em geral ou à atividade de investigação criminal”, visando ao “aperfeiçoamento da promoção da segurança pública” (ÁVILA, 2019, p. 1424, 1425).

Sob a óptica dessa atribuição constitucional, frisa-se a forma bipolar exigida à instituição, que se apresenta regularmente como consorte dos órgãos policiais, no combate aos crimes de toda a natureza, ao mesmo tempo em que deve desincumbir-se da função fiscalizadora/controladora das mesmas instituições, as quais se revelam como parceiras, uma vez que se apoiam mutuamente na missão de perseguir o crime.

Esse aparente e eventual conflito há de ser solucionado com o estabelecimento de um canal técnico de comunicação, o que se faz normalmente por meio do exercício das funções constitucionais de cada órgão. Da mesma forma, acordos de cooperação técnica e medidas administrativas são importantes para aproximação da realidade de cada instituição.

3. O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL COMO FATOR DE ANTAGONISMO INSTITUCIONAL

O controle externo da atividade policial é atribuição do MP prevista no art. 129, VII, da CF, o qual foi regulamentado pela Lei Complementar (LC) n.º 75/93. Esta constitui a Lei Orgânica do MPU, com aplicação subsidiária aos MPs estaduais[7].

Os organismos policiais estão sujeitos à fiscalização do MP, consequência dos mecanismos de equilíbrio existentes em qualquer Estado de Direito. Referida fiscalização não se confunde com as providências estipuladas no art. 9º da LC n.º 75/93, que não permitem que o Parquet exerça o poder disciplinar sobre as polícias, o qual compete à respectiva corregedoria. Contudo, quando na função auxiliar de polícia judiciária, consequentemente em apoio à atividade do Ministério Público, “cabe a este exercer uma função correicional extraordinária, coexistindo com a atividade correicional ordinária, inerente à hierarquia administrativa e que é desempenhada pela própria administração” (GARCIA, 2015, p. 369), ou seja, a própria polícia.

Como o MP é o titular da ação penal pública, devendo, para tanto, formar a sua opinião delitiva (opinio delicti) a fim de oferecer a denúncia criminal, o controle externo da atividade policial permite que ele direcione a investigação criminal, a qual é conduzida pela autoridade policial (delegado de polícia). Por exemplo: se o membro do MP necessita elucidar um fato para a formação da sua opinião, ele requisita que a autoridade policial proceda à respectiva investigação, independentemente da convicção que ela tenha sobre o fato ou a linha investigativa. Essa requisição é cogente, ou seja, o destinatário não pode recusar cumprimento dela. Aqui fica nítida a função auxiliar – mas importantíssima – da polícia judiciária ao MP, um dos fundamentos do próprio controle externo.

Correlata ao controle externo da atividade policial está a capacidade investigatória do MP. Por essa atribuição, o membro do MP constata que determinado crime pode não ser adequadamente investigado pela polícia (exemplo meramente hipotético: em caso de ilícito criminal cometido pela única autoridade policial de um município, que é auxiliada por apenas um agente de polícia), o próprio MP pode investigar o fato, mediante a instauração de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC), o qual está regulamentado pela Resolução CNMP n.º 181/2006. Da mesma forma, essa atribuição estende-se às investigações envolvendo organizações criminosas, hoje capitaneadas pelos GAECOs (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), órgãos vinculados à Procuradorias-Gerais de Justiça, no âmbito estadual e à Procuradoria-Geral da República em âmbito federal.

Essa capacidade investigatória do MP também decorre da teoria dos poderes implícitos, já adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Goldfinger, ao comentar dois julgados desse Tribunal que fazem referência expressa à aludida teoria, sustenta: “quando uma Constituição atribui funções a seus órgãos, são igualmente atribuídos os meios e instrumentos necessários para o cumprimento do que fora determinado constitucionalmente” (GOLDFINGER, 2019, p. 69). Em síntese: se o MP tem o poder de oferecer a denúncia criminal, implicitamente ele detém a capacidade de investigar a fim de formar a sua opinião delitiva para então propor a acusação.

A dimensão desse controle externo da atividade policial pelo MP pode ser fonte de antagonismo institucional, até porque o direcionamento da investigação criminal pelo MP, mediante requisição à autoridade policial, pode ser visto como uma ingerência indevida na linha investigativa adotada pela polícia judiciária. Da mesma forma, a investigação realizada pelo próprio MP pode ser encarada como desconfiança ou competição em relação ao trabalho da polícia judiciária.

Não bastasse, eventuais investigações que identifiquem faltas disciplinares, por parte de policiais, e que resultam no encaminhamento ao órgão correicional das respectivas instituições, em alguns casos, convertem-se em desgaste pessoal entre os envolvidos. Agrava a situação se o ilícito disciplinar caracterizar, mediante a violação de algum princípio da administração pública[8], ato de improbidade administrativa, hipótese em que membro do MP é obrigado, pela sua função, a ajuizar a correspondente ação por improbidade administrativa contra o agente público infrator.

Esse antagonismo, historicamente, desestabiliza a confiança entre os integrantes do sistema de inteligência de segurança pública e os órgãos correlatos do Ministério Público. Essa quebra de confiança interrompe o fluxo informacional que deve existir, resulta na compartimentação de conhecimentos sensíveis e compromete a cooperação entre as agências de inteligência, que é essencial para a garantia da segurança pública.

Para minimizar essa possibilidade de ruptura interorganizacional, afigura-se necessário institucionalizar a confiança que, no campo da segurança pública, se realiza por meio da atividade de inteligência, na qual os laços de fidúcia se consolidam com o tempo de exercício funcional e a convivência no sistema.

É dessa atividade de inteligência que o MP deve valer-se para cumprir o seu papel constitucional, que decorre da exigência do princípio constitucional da eficiência, previsto no art. 37 da CF (COUTINHO, 2016, p. 306).

4. A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA E A COOPERAÇÃO ENTRE AS AGÊNCIAS

Para Sherman Kent, quem primeiro sistematizou, sob a perspectiva acadêmica, a inteligência (GONÇALVES, 2018, p. 7), esta compreende três vertentes: conhecimento, organização e atividade.

A inteligência pode ser vista como o próprio conhecimento produzido: “um volume impressionante e uma variedade de conhecimento” (tradução nossa) (KENT, 1965, p. 3). Como organização, a inteligência é uma instituição, uma organização física composta por pessoas que produzem conhecimento (KENT, 1965, p. 69). Por derradeiro, a inteligência também pode ser encarada como “sinônimo para a atividade que a organização desempenha” (tradução nossa) (KENT, 1965, p. 151).

Em suma, essas três vertentes podem ser entendidas como produto: inteligência é o conhecimento produzido; organização: inteligência são as estruturas funcionais que produzem conhecimento; e processo: inteligência é o procedimento adotado para a produção do conhecimento (GONÇALVES, 2018, p. 8).

A despeito do trato sigiloso, a inteligência deve observar os princípios da segurança, da imparcialidade, do controle e da ética, entre outros (GONÇALVES, 2018, p. 126-132).

Além disso, a inteligência constitui atividade que está submetida a controle, tanto interno, ou seja, aquele hierárquico-disciplinar do próprio órgão produtor da inteligência, quanto externo. No âmbito federal, por exemplo, a atividade de inteligência está sujeita ao controle externo pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência – CCAI do Congresso Nacional, na forma da Resolução CN n.º 2/2013, que regulamentou o art. 6º da Lei n.º 9.883/99. Na seara dos órgãos policiais, sustenta-se o entendimento de que a inteligência por eles desenvolvida se submete ao controle externo da atividade policial realizado pelo MP, embora se reconheça a existência de posicionamento em sentido contrário, pelo menos em relação ao conteúdo.

No Brasil, o conceito de inteligência foi positivado no art. 1º, § 2º, da Lei n.º 9.883/99[9]. Anota-se que, após a extinção do Serviço Nacional de Informações – SNI, criado pela Lei n.º 4.341/64 e dissolvido pela Medida Provisória n. 150, de 1990, que criou o Departamento de Inteligência controlado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE da Presidência da República, a inteligência, no Brasil, não foi desenvolvida, restou estagnada. Esse quadro de letargia modificou-se apenas em 1999, com a edição da já referida Lei n.º 9.883/99, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN, tendo criado a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN como o seu órgão central.

Pode ser objeto da atividade de inteligência qualquer dado que, porventura, tenha relevância na tomada de decisão. Isso permite a classificação da inteligência em diversas espécies: de Estado (ligada à defesa da sociedade e do próprio Estado), militar (voltada à defesa nacional), fiscal (dirigida à fiscalização em qualquer área, como meio ambiente, agricultura e pecuária), financeira (direcionada aos ilícitos financeiros), fazendária (vocacionada à identificação da omissão do contribuinte em recolher o tributo devido), etc. Também existe a inteligência competitiva, aquela segundo a qual empresas estudam os seus concorrentes e os mercados a fim de obter vantagens competitivas (GONÇALVES, 2018, p. 32-73).

Também os altos níveis da sofisticada criminalidade atual, principalmente do crime organizado, demandam o emprego da inteligência aos órgãos de segurança pública (GOMES, 2009, p. 111). Frisa-se: “conhecer o cenário onde se desenvolve a criminalidade, o perfil de seus integrantes e a diversidade dos padrões adotados permite a elaboração de projetos de ação que podem ser implementados imediatamente ou ações futuras” (SILVA et al., 2008, p. 380). Gonçalves (2018, p. 246) acrescenta que o enfrentamento à criminalidade exige a cooperação na matéria de inteligência, com destaque para uma atuação sob a perspectiva preventiva.

Tendo em vista o escopo deste artigo, importa destacar a inteligência com o foco na segurança pública. Nesse sentido, o Decreto 3.965/2000 criou o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública – SISP, com a finalidade de coordenar e integrar as atividades de inteligência de segurança pública em todo o País, bem como suprir os governos federal e estaduais com informações que subsidiem a tomada de decisões neste campo. O art. 1º, § 3º, do Decreto 3.965/2000, dispõe que cabe aos integrantes do Subsistema “identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza”.

Já a Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública – PNISP, criada pelo Decreto 10.777/2021, estabelece os parâmetros e os limites de atuação da atividade de inteligência de segurança pública e os pressupostos, os objetivos, os instrumentos e as diretrizes a serem observados no âmbito do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública. Assim está definida a inteligência:

1.4 Para fins de implementação da PNISP, a atividade de inteligência de segurança pública é conceituada como o exercício permanente e sistemático de ações especializadas destinadas à identificação, à avaliação e ao acompanhamento de ameaças reais e potenciais no âmbito da segurança pública, orientadas para a produção e a salvaguarda de conhecimentos necessários ao processo decisório no curso do planejamento e da execução da PNSPDS [Política Nacional de Segurança Pública e Desenvolvimento Social] e das ações destinadas à prevenção, à neutralização e à repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Enquanto a PNISP estabelece os objetivos da inteligência em matéria de segurança pública, a Estratégia Nacional de Inteligência de Segurança Pública – ENISP, criada pelo Decreto n.º 10.778/2021, elucida os caminhos para a concreção desses objetivos (GONÇALVES, 2018, p. 254). Pela ENISP, a atividade de inteligência produz “conhecimentos, para assessorar as autoridades competentes de segurança pública no processo decisório relacionado ao planejamento e à execução de política de segurança pública e de ações direcionadas à preservação da ordem pública e da paz social”.

Em decorrência da política e da estratégia de inteligência, o governo federal criou a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP, que traz a seguinte definição:

A atividade de Inteligência de Segurança Pública (ISP) é o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os tomadores de decisão, para o planejamento e execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza que atentem à ordem pública, à incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 2014, p. 13).

Convém destacar que, embora não seja o seu escopo primordial, a inteligência serve para a produção de prova, na seara investigativa. Nesse sentido “a inteligência policial, na área de segurança pública, deve estar voltada, especialmente, para a produção de prova criminal” (GOMES, 2009, p. 126).

Dos conceitos positivados acima, tem-se que a inteligência policial se presta à garantia da segurança da sociedade (art. 1º, § 2º, da Lei n.º 9.883/99); repressão aos atos criminosos (art. 1º, § 3º, do Decreto 3.965/2000, a PNISP e a DNISP); e à preservação da ordem pública e da paz social (ENISP). A condenação criminal cumpre todos esses objetivos, especialmente o da repressão. Logo, a inteligência atrelada à segurança pública pode auxiliar na produção da prova necessária à condenação do criminoso.

Impõe-se, contudo, um esclarecimento. Enquanto a investigação criminal visa à produção de prova sobre a materialidade (existência) do crime e respectiva autoria, a inteligência tenciona a produção de conhecimento[10], No mesmo sentido: (COUTINHO, 2016, p. 293; OLIVEIRA JUNIOR, 2012, p. 52). Este conhecimento pode auxiliar o tomador de decisão, no caso da investigação criminal, o policial ou o membro do Ministério Público, a buscar a produção de determinada prova. Logo, o conhecimento produzido por intermédio da inteligência não constitui prova; ele aponta caminhos para a produção desta.

Nesse sentido, “a inteligência não deve ser usada diretamente para produção de provas de materialidade e autoria de crimes (...) o uso de conhecimento de inteligência na instrução de inquérito policial é algo que vai de encontro à própria natureza de atividade de inteligência” (GONÇALVES, 2018, p. 40).

Afigura-se, pois, de “fundamental importância a integração dos órgãos públicos, dos setores de inteligência de Estado e de Segurança Pública, especialmente os de polícia judiciária” (GOMES, 2009, p. 127).

A cooperação entre as agências de inteligência reclama a interoperabilidade entre elas. Comfort e Kapucu (2006, p. 314) enunciam vantagens dessa forma de atuação: um sistema de resposta composto por múltiplas agências tratará as ameaças de forma mais apropriada comparativamente à atuação separada e descoordenada de agências, que operam com independência umas das outras para enfrentar os mesmos desafios.

É requisito, para essa integração entre as agências de inteligência, além da construção de pontes de informação conectando-as, a confiança entre os atores envolvidos (MEDEIROS; MENDES; PAIVA, 2021, p. 113). Trata-se de conceito que cuida do fluxo constante de troca do conhecimento produzido entre as agências de inteligência. A constância do fluxo informacional depende da sua formalização e institucionalização. O intercâmbio informacional é essencial; do contrário, a agência que envida os seus esforços não obtém a contrapartida que justifica o seu empenho.

Já a confiança pode ser definida como a “convicção de que a confiabilidade sobre a outra parte é adequada para justificar a permanência em uma condição de vulnerabilidade” (BARDACH, 1998, p. 252). O crescimento da confiança implica o aumento da capacidade de as pessoas trabalharem de forma mais efetiva umas com as outras, além de facilitarem a aceitação de uma liderança (BARDACH, 2001, p. 154).

Por outro lado, apesar de o MP formalmente não integrar o SISBIN, tampouco o SISP, ele participa da comunidade de inteligência[11].

Nessa condição, é conveniente que o MP – e todos os demais integrantes da comunidade que não compõem o SISBIN – aproveitem a teleologia e, no que for compatível, todos os institutos de inteligência do SISP. Esse aproveitamento também se justifica em razão da necessária cooperação entre as agências de inteligência que é, geralmente, prevista como princípio nos diplomas normativos que tratam do assunto.

5. A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO MINSTÉRIO PÚBLICO E A INTEGRAÇÃO COM AS FORÇAS DE SEGURANÇA PÚBLICA

As origens da atividade de inteligência no Ministério Público remontam a uma fatalidade decorrente da atuação funcional de um membro do Ministério Público. Trata-se do assassinato do Promotor de Justiça de Minas Gerais Francisco José Lins do Rêgo Santos, ocorrido em 25 janeiro de 2002. O promotor, à época com 43 anos, foi assassinado no cruzamento de uma das avenidas mais movimentadas de Belo Horizonte, por investigar um grupo criminoso que comandava uma rede de distribuição de combustível adulterado[10].

Naquele mesmo ano, o crime, que teve repercussão nacional, deu origem ao Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC) que, por sua vez, se organizou por intermédio dos GAECOs (Grupos Especial de Atuação no Combate ao Crime Organizado). Referido grupo passou a desenvolver relevante trabalho investigativo, optando, em alguns casos, pelo formato de força-tarefa permanente entre o Ministério Público e os órgãos de segurança estaduais e federais. Alguns ramos também optaram pela criação de unidades de inteligência, que coexistem e interagem com os GAECOS.

São nesses espaços que, até a presente data, se reúnem membros e servidores do Ministério Público, policiais militares, civis, penais, além de outros órgãos estaduais e federais que trabalham sob demanda, nos quais cada integrante exerce a sua atribuição constitucional num trabalho em equipe. Vários são os Estados que adotam esse modelo, destacando-se, dentre outros, os MPs de Goiás, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, que contam com o inestimável apoio das forças de segurança.

Trata-se de estruturas formalizadas por meio de convênios e acordos de cooperação técnica, que permitem a disponibilização de recursos humanos e materiais, exclusivamente voltados para as atividades de inteligência, investigação ou mesmo de segurança orgânica, este último decorrente do risco habitualmente suportado pelos integrantes dessas unidades especializadas. Como se vê, a despeito de as instituições exercerem atribuições diversas, os objetivos institucionais convergem para o mesmo propósito, no caso, o interesse público materializado na persecução criminal e na responsabilização do criminoso.

Após anos de trabalhos conjuntos no enfrentamento à criminalidade organizada, percebe-se, hoje, o natural fortalecimento de uma relação construída com base no respeito e na confiança interagências. Nesse sentido, nada mais razoável que desejar a consolidação de um modelo de atuação integrada, em que cada órgão exerça a sua missão constitucional. A ideia consiste na conjunção de esforços no trato de questões temáticas, de mútuo interesse e alta resolutividade, sendo essa aproximação feita por meio dos canais técnicos da atividade de inteligência, na qual o compartilhamento de recursos e informações representa insumo imprescindível para atuação ministerial nos planos estratégico, tático e operacional.

Nessa integração, mesmo não compondo o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e o Sistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), o Ministério Público, que já atua de forma articulada com os órgãos de segurança, passa de mero coadjuvante e consumidor de informações, para a condição de ator em um ambiente dinâmico e complexo, como é o caso da segurança pública. Cuida-se de um modelo de aprendizagem em rede que pressupõe o compartilhamento e a integração de perspectivas, interesses, conhecimentos e experiências em busca de sustentabilidade e soluções inovadoras (KEMPNER-MOREIRA; FREIRE, 2021, p.62).

A propósito desse modelo de atuação, o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), desde 2009, buscou estruturar sua unidade de inteligência, que teve início com a criação do Centro de Apoio Operacional de Combate a Organizações Criminosas – CAOCOC , concebido como órgão auxiliar da atividade funcional do Ministério Público do Estado de Goiás, previsto no artigo 59 da Lei Orgânica do Ministério Público (LC/GO n.º 25, de 06.07.1998), devidamente instituído e regulamentado pelo artigo 1º, inciso V, do Ato n.º 15, de 22.11.2007, exarado da Procuradoria-Geral de Justiça.

Já naquela época, antevendo a necessidade de aproximação do órgão de investigação, no caso, do Grupo de Repressão ao Crime Organizado – GRC, hoje GAECO, o então CAOCOC destacava-se na busca de meios para fornecer suporte técnico aos órgãos de execução quando da repressão às atividades ilícitas como jogos de azar, exploração infanto-juvenil, lavagem de dinheiro, corrupção, sonegação fiscal, comercialização de drogas, fraude a licitações, improbidade administrativa e outros.

A despeito da atuação de apoio à execução, o órgão promoveu a integração e o intercâmbio entre o Ministério Público e os organismos atuantes na respectiva área, inclusive de outras unidades federadas. Da mesma forma, estabeleceram-se canais de comunicação com órgãos públicos e entidades privadas, governamentais e não-governamentais, objetivando a cooperação mútua e o desenvolvimento de atividades conjuntas de interesse público. Giza-se a parceria sistemática do Ministério Público com as Polícias Civil e Militar.

Considerando a necessidade crescente de produção do conhecimento, difusão e controle de informações, como ferramentas indispensáveis às atividades dos órgãos de execução do Ministério Público, criou-se a Coordenação de Segurança Institucional e Inteligência (CSI), originada da estrutura do então CAOCOC[11]. A proposta partia da premissa de uma intervenção eficaz do Ministério Público nas diversas áreas que exigia estrutura e metodologia próprias, especialmente quanto à necessidade de implementação de segmento organizacional especializado que estabelecesse o planejamento estratégico da informação e gerenciasse o processo de inteligência institucional, identificando as necessidades de informação, sua coleta, tratamento, análise, disseminação, segurança, guarda, avaliação e, por fim, seu descarte.

Até pela atribuição constitucional, a mudança também tinha por objetivo a necessidade de apoiar os órgãos de execução do MPGO, em especial o GAECO, por meio da disponibilização de técnicas operacionais que pudessem auxiliar nos procedimentos investigatórios, assim como pela disseminação de conhecimentos sobre a atuação de organizações criminosas.

Por fim, adotaram-se projetos e protocolos em face da necessidade do exercício sistemático de ações especializadas, orientadas para a produção e salvaguarda dos conhecimentos, com o objetivo de assessorar o decisor estratégico, nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, execução e acompanhamento das políticas institucionais.

Na sequência histórica, optou-se, em 2013, pelo desmembramento da atividade de inteligência em relação à segurança institucional, criando-se o Centro de Inteligência (PGJ, 2015)[12] e o Gabinete de Segurança Institucional (PGJ, 2016)[13] atribuições mantidas, porém seccionadas pela especialização e por opção administrativa. Mais recentemente, foi reestruturada a atividade de inteligência no MPGO, reestabelecendo a estrutura original, agora sob a nomenclatura de Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência (CSI), criando ainda o Sistema de Inteligência no MPGO (PGJ, 2021)[14].

No mesmo período, visando à eficiência, resolutividade, otimização e racionalização dos recursos humanos, tecnológicos e operacionais dos órgãos de investigação e inteligência, criou-se, em 17 de maio de 2021, o Centro Integrado de Investigação e Inteligência (CIII) (PGJ, 2021)[15], órgão administrativo composto pelo GAECO e pela CSI, sob coordenação única, em que se observa a divisão clássica entre as atividades. Essa configuração de estrutura compartilhada, porém autônoma, entre órgão de investigação e de inteligência, inédita na atualidade, amplia as possibilidades de comunicação, articulação e integração entre os órgãos especializados, em especial os da segurança pública.

Apesar da peculiaridade da coordenação administrativa única, o modelo estrutural do MPGO mostra-se semelhante em relação a outras unidades da federação nas quais há separação funcional da atividade investigativa e de inteligência. Em outras unidades, contudo, como, por exemplo, o Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE), adota-se uma estrutura em que unidade de inteligência integra o GAECO, enquanto a segurança institucional, como segmento da contrainteligência, é desenvolvida no âmbito do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)[16], isso nos termos da Resolução 156, de 13 de dezembro de 2016, do Conselho Nacional do Ministério Público, que instituiu a Política de Segurança Institucional e o Sistema Nacional de Segurança Institucional do Ministério Público .

Vários modelos de força-tarefa mereceriam um capítulo à parte, contudo todos guardam relação comum quanto à preservação da confiança e a manutenção do fluxo constante, formal e institucionalizado da informação com os órgãos de segurança pública, parceiros de primeira grandeza em relação ao Ministério Público.

6. CONCLUSÃO

Visando consolidar as atribuições reservadas pelo constituinte originário ao Ministério Público, a instituição necessita estabelecer relações funcionais por meio de canais técnicos, buscando otimizar os resultados de sua atuação. Se é fato que algumas atribuições o afastam de seus órgãos parceiros, como é caso do controle externo da atividade policial, também é correto afirmar que os pontos de intersecção e convergências são maiores e que, de fato, aproximam o MP das forças de segurança pública. Nesse sentido, afigura-se válido repensar o modelo clássico de atuação do Parquet para uma atividade de controle de integração interinstitucional.

Referido modelo, finalístico por natureza, induz à aprendizagem e ao crescimento organizacional, mantendo a autonomia de cada órgão, ao tempo em que permite o compartilhamento de recursos e tecnologias entre estruturas internas e órgãos integrantes do sistema. Dentro dessa premissa de não atuar isoladamente, pode-se afirmar que a atividade de inteligência constitui o canal mais adequado para aproximação e crescimento interinstitucional em todos os níveis.

O modelo de forças-tarefa ou concentração dos órgãos de segurança em uma unidade central, representados pelos GAECOS e pelas unidades de inteligência ministeriais permitem a interoperabilidade entre as agências de inteligência direcionadas à segurança pública, na qual a confiança é pressuposto. Trata-se de um palco adequado para que as unidades de inteligências de diferentes órgãos trabalhem em verdadeiro regime de cooperação.

Aludido modelo de forças-tarefa, ademais, tem trazido resultados expressivos em todo o país. Estruturas dotadas de tecnologia de ponta, pessoal qualificado, aliadas ao permanente compartilhamento de recursos interinstitucionais permitem que o Ministério Público, juntamente com as forças de segurança, se apresente como primeira linha de combate ao crime organizado em suas diversas modalidades. Em última análise, além dos resultados obtidos, a sociedade tem-se mostrado como a maior beneficiária da institucionalização desse modelo de integração.

BIOGRAFIA DA AUTORIA

Rafael Schwez Kurkowski

Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). Especialista em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Defesa (ESD). Especialista em Gestão Acadêmica do Ensino Superior pela Faculdade Pio Décimo (FAPIDE). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integrante do grupo de pesquisa Tutela Penal dos Interesses Difusos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Promotor de Justiça em Sergipe, atualmente exercendo as suas atribuições como Coordenador Disciplinar da Corregedoria Nacional do Ministério Público.

Rodney da Silva

Mestre em Direito pela Universidade de Franca. Especialista em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Defesa (ESD). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Minas Gerais. Professor convidado do Curso de Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Defesa (ESD); Professor da Escola Superior do Ministério Público de Goiás. Membro colaborador do Conselho Nacional do Ministério Público. Coordenador do Grupo de Trabalho Inteligência do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas/CNPG. Promotor de Justiça em Goiás, atualmente exercendo a Coordenação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) e Coordenador de Inteligência e Segurança Institucional (CSI) do Ministério Público de Goiás.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Thiago Pierobom de. O controle externo da atividade polícia pelo ministério público sobre a investigação criminal. In: ALMEIDA, Gregório Assagra; CAMBI, Eduardo; MOREIRA, Jairo Cruz (org.). Ministério Público, Constituição e Acesso à Justiça: abordagens institucional, cível, coletiva e penal da atuação do ministério público. Belo Horizonte: D´plácido, 2019. p. 1423-1444.

BARDACH, Eugene. Developmental Dynamics: interagency collaboration as an emergent phenomenon. Journal Of Public Administration Research And Theory, Oxford, v. 2, n. 11, p. 149-164, abr. 2001.

BARDACH, Eugene. Getting Agencies to Work Together: the practice and theory of managerial craftsmanship. Washington: Bookings Institution Press, 1998.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.

BRASIL. Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP. 4. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2014.

BRASIL. Ato PGJ n.º 42, de 02 de dezembro de 2015, publicado no Diário Oficial do Ministério Público n.º 1.580, de 04 de dezembro de 2015.

BRASIL. Ato PGJ n.º 35/2016, de 07 de novembro de 2016, publicado no Diário Oficial do Ministério Público n.º 1.800, de 08 de novembro de 2016.

BRASIL. Ato PGJ n.º 38, de 17 de maio de 2021, publicado na edição n.º 2878 do Diário Oficial do Ministério Público de 17/05/2021.

COMFORT, Louise K.; KAPUCU, Naim. Inter-organizational coordination in extreme events: the world trade center attacks, september 11, 2001. Natural Hazards, [S.l.], v. 39, n. 2, p. 309-327, out. 2006. Springer Science and Business Media LLC.

COUTINHO, Filipe da Silva. A atividade de inteligência em auxílio às atividades finalísticas do Ministério público. Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, Goiânia, ano XIX, n. 32, p. 287-310, jul./dez. 2016. Disponível em: http://www.mp.go.gov.br/revista/revista11.html. Acesso em: 22 ago. 2021.

ESTADO DE MINAS GERAIS. Assassinato de promotor na Zona Sul de BH completa 10 anos. Belo Horizonte, 22 jan. 2012. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/01/22/interna_gerais,273634/assassinato-de-promotor-na-zona-sul-de-bh-completa-10-anos.shtml. Acesso em: 14 out. 2021.

GARCIA, Emerson. Ministério público: organização, atribuições e regime jurídico. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

GOLDFINGER, Fábio Ianni. O papel do MP nas investigações criminais e no mundo moderno: a inconstitucionalidade do monopólio das investigações. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

GOMES, Rodrigo Carneiro. Prevenir o Crime Organizado: inteligência policial, democracia e difusão do conhecimento. Segurança Pública & Cidadania, Brasília, v. 2, n. 2, p. 107-137, jul./dez. 2009. Disponível em: https://periodicos.pf.gov.br/index.php/RSPC/article/view/103. Acesso em: 20 ago. 2021.

GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. 6. ed. Niterói: Impetus, 2018. (Série Inteligência, Segurança e Direito).

KEMPNER-MOREIRA, Fernanda; FREIRE, Patrícia de Sá. Redes Inter organizacionais de Aprendizagem para a Segurança Pública.: o modelo do Colegiado Superior de Segurança Pública e Perícia Oficial do Estado de Santa Catarina. Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (RIBSP), v. 4, n. 8, jan./abr. 2021.

KENT, Sherman. Strategic Intelligence for American World Policy. Hamden: Archon Books, 1965.

KURKOWSKI, Rafael Schwez. A justificativa funcionalista sistêmica para a execução provisória da pena no Tribunal do Júri. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, n.36, p.94-111, set./dez. 2018. Disponível em: http://blog.newtonpaiva.br/direito/wp-content/uploads/2019/04/DIR36-07.pdf. Acesso em: 3 abr. 2019.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A evolução do perfil institucional do Ministério Público. In: ALMEIDA, Gregório Assagra; CAMBI, Eduardo; MOREIRA, Jairo Cruz (org.). Ministério Público, Constituição e Acesso à Justiça: abordagens institucional, cível, coletiva e penal da atuação do ministério público. Belo Horizonte: D´plácido, 2019. p. 693-704.

MEDEIROS, Sabrina; MENDES, Cintiene Sandes Monfredo; PAIVA, Ana Luiza Bravo e. Learning Process for Collective Decision-Making in Defense and Security: inter-agency policy building. Journal Of Higher Education Theory And Practice, [S.L.], v. 21, n. 4, p. 111-122, 14 jun. 2021. North American Business Press. http://dx.doi.org/10.33423/jhetp.v21i4. Disponível em: https://articlegateway.com/index.php/JHETP/article/view/4213/4005. Acesso em: 22 ago. 2021.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Ministério Público do Estado do Maranhão (Estado). Convênio nº 001/2016-I, de 15 de dezembro de 2016. Convênio de colaboração técnica e financeira celebrado entre a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão, Ministério Público Estadual, Prefeitura Municipal do Maranhão MA, Câmara Municipal.. Diário da Justiça do Estado do Maranhão. São Luís, MA, 21 dez. 2016.

MORENO, Rafael. O Ministério Público como cláusula pétrea e o paradigma da essencialidade no mundo líquido. In: ALMEIDA, Gregório Assagra; CAMBI, Eduardo; MOREIRA, Jairo Cruz (org.). Ministério Público, Constituição e Acesso à Justiça: abordagens institucional, cível, coletiva e penal da atuação do ministério público. Belo Horizonte: D´plácido, 2019. p. 637-571.

OLIVEIRA, Gilber Santos de. Direito Difuso à Segurança Pública e o Papel do Ministério Público: o caso do cisp. Revista da CSP, Brasília, v. 2, n. 1, p. 174-191, 2019. Disponível em: https://ojs.cnmp.mp.br/index.php/revistacsp/article/view/181/154. Acesso em: 15 ago. 2021.

OLIVEIRA JUNIOR, Almir de. Importância das Atividades de Investigação e Inteligência Policial para o Sistema de Justiça Criminal e seu Aprimoramento no Brasil. Boletim de Análise Político-Institucional, [S. l], v. 2, p. 49-54, ago. 2012. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/6765. Acesso em: 22 ago. 2021.

RAYMUNDO, Fabrício de Andrade. Policiamento Ostensivo e Policiamento Velado: integração e assuntos correlatos. Revista Ciência & Polícia, Brasília, v. 1, n. 4, p. 132-143, jan. 2016. Disponível em: http://revista.pm.df.gov.br/index.php/rcp/article/view/35. Acesso em: 22 ago. 2021.

RITT, Eduardo. O Ministério Público como instrumento de democracia e garantia constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

RODRIGUES, Geisa de Assis. Breves Considerações Sobre o Ministério Público Federal do Século XXI: trajetória e desafios. In: VITORELLI, Edilson (org.). Manual de Direitos Difusos. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 335-361.

ROTH, Ronaldo João. Aspectos Militares da Polícia: a polícia no brasil. o poder de polícia. a polícia administrativa e a polícia judiciária. a atuação das forças armadas como polícia. In: DUARTE, Antonio Pereira (org.). Direito Militar em Movimento - Volume II: homenagem ao promotor de justiça militar Jorge César de Assis. Curitiba: Juruá, 2016. p. 77-113.

SANTIN, Valter Foleto; MARQUES, Silvio Antonio. Anotações sobre Perda Civil de Domínio de Bens de Origem Ilícita e Reflexo na Segurança Pública. In: SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano et al.(org.). Segurança Pública: os desafios da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 445-468.

SILVA, Edson Rosa Gomes da et al.; . Visão Sistêmica na Interoperabilidade dos Sistemas para Segurança Pública: estudo do caso de Santa Catarina. Iadis, [s. l], p. 377-384, 2008. Disponível em: http://www.iadisportal.org/digital-library/vis%C3%A3o-sist%C3%AAmica-na-interoperabilidade-dos-sistemas-para-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-estudo-do-caso-de-santa-catarina. Acesso em: 22 ago. 2021.

TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ULIN, Bob. About Interagency Cooperation. Interagency Essay 10-01. set. 2010. Disponível em: https://thesimonscenter.org/about-interagency-cooperation/. Acesso em: 18 ago. 2021.

Notas

[1] Segundo Emerson Garcia (2015, p. 68), “é possível afirmar que a origem da Instituição [Ministério Público] está associada à individualização da função judiciária, outrora exercida de forma concentrada pelo soberano, e que passou a ser desempenhada por agentes especializados, os magistrados. Não mais detendo o Rei o exercício da função jurisdicionais, fez-se necessária a criação de órgãos que fiscalizassem o exercício dessa função e, perante ela, defendessem os interesses do soberano ou, em alguns casos excepcionais, o próprio interesse social”.
[2] Diz o art. 128 da CF: O Ministério Público abrange:

I - o Ministério Público da União, que compreende:

a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho;

c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II - os Ministérios Públicos dos Estados.

[3] Segundo Nilo Batista (2011, p. 24, 25), o “direito penal é o conjunto de normas jurídicas que preveem os crimes e lhes cominam sanções, bem como disciplinam a incidência e validade de tais normais, a estrutura geral do crime e a aplicação e execução das sanções cominadas”. Já ao grupo das instituições policial, judiciária e penitenciária, “que, segundo as regras jurídicas, se incumbe de realizar o direito penal, chamamos de sistema penal” (grifos dos autores).
[4] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

[5] Os direitos ou interesses difusos são espécie do gênero direito coletivo. Em sentido amplo, “a expressão interesses coletivos refere-se a interesses transindividuais, de grupos, classes ou categorias de pessoas. Nessa acepção larga é que a Constituição se referiu a direitos coletivos, em seu Título II, ou a interesses coletivos, em seu art. 129, III” (grifos do autor) (MAZZILLI, 2009 p. 54). Já os “interesses ou direitos difusos são identificados como aqueles relacionados a um número indeterminado de pessoas, vinculados por uma relação factual que merece ser acolhida pelo ordenamento jurídico. São de natureza indivisível [...] O que caracteriza, portanto, seu caráter difuso é tento a indeterminação dos seus titulares quanto a existência de uma ligação entre eles decorrente de uma circunstância de fato” (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2006, p. 975).
[6] Diz o art. 129, III, da CF: São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

[7] Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;

II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;

IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;

V - promover a ação penal por abuso de poder.

[8] Esses princípios estão previstos no caput do art. 37 da CF, cuja redação segue: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).
[9] § 2º Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.
[10] Há 19 anos, Minas perdia um promotor de justiça em plena luta pela defesa da legalidade. Site MPMG, 25/01/2021. Disponível em: https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/ha-19-anos-minas-perdia-um-promotor-de-justica-em-plena-luta-pela-defesa-da-legalidade.htm. Acesso em 15 out. 2021.
[11] Ato PGJ n.º 20/2008, de 05 de junho de 2009, publicado no Diário Oficial n.º20.637, de 18 de junho de 2009.
[12] Ato PGJ n.º 42, de 02 de dezembro de 2015, publicado no Diário Oficial do Ministério Público n.º 1.580, de 04 de dezembro de 2015.
[13] Ato PGJ n.º 35/2016, de 07 de novembro de 2016, publicado no Diário Oficial do Ministério Público n.º 1.800, de 08 de novembro de 2016.
[14] Ato PGJ n.º 38, de 17 de maio de 2021, publicado na edição n.º 2878 do Diário Oficial do Ministério Público de 17/05/2021.
[15] Ato PGJ n.º 39, de 17 de maio de 2021, publicado na edição n.º 2878 do Diário Oficial do Ministério Público de 17/05/2021.
[16] No MPSE, tanto o GSI quanto o GAECO têm, cada qual, o seu respectivo Núcleo de Inteligência, conforme, respectivamente, os arts. 33-D, caput, e 33-E, § 6º, ambos da LC/SE n.º 02/1990.
HTML generado a partir de XML-JATS4R por