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A formação do policial para a docência na Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal a partir da aprendizagem baseada em problemas
Police training for teaching at the Superior School of Civil Police of the Federal District based on problem-based learning
Formación policial para la docencia en la Escuela Superior de Policía Civil del Distrito Federal basada en el aprendizaje basado en problemas
A formação do policial para a docência na Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal a partir da aprendizagem baseada em problemas
Revista Brasileira de Ciências Policiais, vol. 14, núm. 11, 2023
Academia Nacional de Polícia
Recepción: 31 Octubre 2021
Aprobación: 06 Agosto 2022
Resumo: Este artigo objetiva analisar a percepção dos policiais-formadores que atuam como docentes no curso de especialização em Ciências Policias com Foco na Atuação da Polícia Jurídica, ofertado pela Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal (ESPC), sobre seus conhecimentos para a utilização da metodologia ativa Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). A metodologia empregada na pesquisa teve caráter qualitativo, materializado na pesquisa-ação. Participaram da pesquisa sessenta e nove policiais que desenvolvem o trabalho de formadores na ESPC. Os participantes foram convidados a responder um questionário que visou mapear as carências e fragilidades na utilização da metodologia ABP. O questionário foi composto por duas seções, sendo que a primeira foi constituída por questões fechadas voltadas a traçar o perfil formadores, e a segunda parte, com questões fechadas e abertas, captaram as demandas e necessidades de formação em ABP. Os participantes afirmam que necessitam de ações formativas que permitam o desenvolvimento e domínio de competências técnicas para a utilização da ABP. Conclui-se que o presente estudo pode contribuir para a política de valorização da capacitação pedagógica dos policiais-formadores, por meio do fomento a uma prática educativa contextualizada e dialógica, materializada por meio da Aprendizagem Baseada em Problemas.
Palavras-chave: formação policial, metodologias ativas, ABP, educação dialógica, PCDF.
Abstract: This article aims to analyze the perception of police trainers who work as teachers in the postgraduated course in Police Sciences with a focus on the performance of the legal police, offered by the Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal (ESPC), about their knowledge for the use of the active methodology Problem-Based Learning (PBL). The methodology used in the research had a qualitative character, materialized in action research. Sixty-nine police-trainers participated in the research. Data were collected through a questionnaire that aimed to map the shortcomings and weaknesses in the use of the PBL methodology. The questionnaire consisted of two sections, the first consisting of closed questions aimed at profiling the trainers and the second part, with closed and open questions, capturing the demands and needs of training in PBL. Participants state that they need training actions that allow the development and mastery of technical skills for the use of PBL. It is concluded that the present study can contribute to the policy of valuing the pedagogical training of police-trainers, through the promotion of a contextualized and dialogic educational practice, materialized through Problem-Based Learning.Keywords: police training; active methodologies; PBL; dialogical education; PCDF. RESUMENEste artículo tiene como objetivo analizar la percepción de los formadores de policías que actúan como docentes en el Curso de Especialización en Ciencias Policiales con Enfoque en el Desempeño de la Policía Legal, ofrecido por la Escuela Superior de Policía Civil del Distrito Federal (ESPC), sobre sus conocimientos para el uso de la metodología activa Aprendizaje Basado en Problemas (ABP). La metodología utilizada en la investigación tuvo un carácter cualitativo, materializado en investigación-acción. Participaron de la investigación 69 policías que actúan como formadores en la ESPC. Se invitó a los participantes a responder un cuestionario que tenía como objetivo mapear las deficiencias y debilidades en el uso de la metodología ABP. El cuestionario constaba de dos apartados, el primero formado por preguntas cerradas destinadas a perfilar a los formadores, y la segunda parte, con preguntas cerradas y abiertas, captando las demandas y necesidades de la formación en ABP. Los participantes manifiestan que necesitan acciones formativas que permitan el desarrollo y dominio de habilidades técnicas para el uso de ABP. Se concluye que el presente estudio puede contribuir a la política de valorización de la formación pedagógica de los policías formadores, a través de la promoción de una práctica educativa contextualizada y dialógica, materializada a través del Aprendizaje Basado en Problemas. Palabras clave: formación policial; metodologías activas; PBL; educación dialógica; PCDF.
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa objetiva analisar a percepção dos policiais-formadores que atuam como docentes no curso de especialização em Ciências Policias com Foco na Atuação da Polícia Jurídica, ofertado pela Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal (ESPC), sobre seus conhecimentos para a utilização da metodologia ativa Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP).
A qualificação do policial tem papel fundamental para a efetividade das ações dos profissionais da área de segurança pública. Logo, é preciso refletir sobre as ações de capacitação das forças de segurança pública e, em especial, a respeito da trajetória acadêmica dos profissionais que atuam na formação dos seus pares, uma vez que eles serão responsáveis pela condução do processo de construção de um saber técnico e específico que deve dialogar com diversas áreas de conhecimento. Isso exige a discussão de questões contextualizadas de educação, em especial, de questões relativas à metodologias apropriadas ao âmbito policial.
Bem e Santos (2016) afirmam que parte considerável dos problemas existentes entre os policiais e as comunidades relaciona-se à má formação dos agentes de segurança pública. Essa problemática foi percebida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp)[1], que elaborou a Matriz Curricular Nacional com vistas a nortear ações de capacitação profissional na área de segurança pública. Como parâmetro norteador, o documento afirma que:
É cada vez mais necessário pensar a intencionalidade das atividades formativas, pois o investimento no capital humano e a valorização profissional tornam-se imprescindíveis para atender as demandas, superar os desafios existentes e contribuir para a efetividade das organizações de segurança pública (BRASIL, 2014, p. 17).
A função prioritária da ESPC, unidade orgânica da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), é a de qualificação dos quadros dos servidores de carreiras, além de contribuir com a capacitação de outros órgãos e forças.
A tarefa de redimensionar o preparo dos profissionais- formadores de seus pares é um desafio para a educação policial, uma vez que essa atividade exige variadas ações técnicas, socioemocionais e comportamentais que visam à proteção dos direitos e garantias individuais, dentre eles, a vida humana que é o bem maior.
Nesse contexto, foi implementado pela ESPC o curso de Especialização Lato Sensu em Ciências Policiais com Foco na Atuação da Polícia Judiciária. O curso tem o ousado objetivo de
Formar tutores em ABP e pesquisadores em temas contemporâneos relacionados às Ciências Policiais, voltados à atividade da Polícia Judiciária, gerando o desenvolvimento e produção de conhecimentos sobre os referidos temas, fortalecendo a cultura do conhecimento científico, para o aperfeiçoamento das atividades de Polícia Judiciária (BRASÍLIA, 2021, p.30).
Destaca-se, por oportuno, que os cursos ofertados na ESPC estão inseridos no contexto da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), aqui entendida como modalidade de educação voltada à preparação de “cidadãos e cidadãs para o exercício de profissões de modo a garantir sua inserção, sua atuação e o seu permanente desenvolvimento no mundo do trabalho e na vida em sociedade” (PEREIRA, 2020).
Assim, é fundamental entender e debater as intencionalidades históricas, políticas e institucionais da formação policial, uma vez que a educação não pode ser tomada como uma instância separada do contexto social que a cerca.
2. A FORMAÇÃO DOS POLICIAIS-FORMADORES E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS
As transformações sociais vinculadas ao sistema capitalista de produção revolucionaram as esferas do convívio coletivo, afetando as relações educacionais e os processos de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, tornou-se importante que as necessidades da vida cotidiana dialogassem com as demandas do mundo do trabalho.
Com o desenvolvimento e avanço da sociedade capitalista, a qualificação para o exercício laboral ganhou destaque e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/1996 (LDB), passou a definir a educação profissional e tecnológica como uma modalidade de educação que tem como objetivo o preparo para a atuação no mundo do trabalho.
Souza (2017) afirma que essa modalidade passou a ser evocada como espaço de capacitação e como um mecanismo estratégico de políticas econômicas e sociais, sendo considerada um importante agente de mudança social.
Dorneles, Castaman e Vieira (2021, p. 3) apontam que “é preciso ressignificar a EPT para além da preparação dos jovens para o mercado de trabalho, ou seja, esta deve contribuir para uma formação crítica dos sujeitos, sendo norteada pelos princípios de uma educação emancipadora”.
Nesse sentido, Basso (1999, p. 2) alerta que “práticas rotineiras, estereotipadas, muitas vezes baseadas em ideários pedagógicos simplificados, quase clichês que perderam o potencial para a análise crítica da realidade e do enfrentamento dos problemas educacionais” precisam ser revistos.
A formação policial ofertada da ESPC foi, por muitos anos, baseada em ações educacionais voltadas à metodologias de ensino tradicionais, com forte destaque para a disciplina, hierarquia e para os conteúdos considerados como mais importantes que o próprio processo de aprendizagem. Pouco se debatia sobre a importância de adequação de uma metodologia voltada a uma formação complexa e multifacetada, como é a capacitação de policiais.
O marco para se repensar essas relações foi a publicação da Matriz Curricular Nacional da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), em 2014. O documento trouxe orientações teórico-metodológicas norteadoras de ações de qualificação dos profissionais da área de segurança pública.
A Matriz Curricular Nacional fortaleceu a indicação de valorização de metodologias ativas de ensino ao defender uma
[...] abordagem curricular pautada no paradigma da complexidade que contemple a teoria e a prática articuladas pela inclusão da problematização, tendo as metodologias de ensino ativo como modelos de referência para gerar situações de aprendizagem que possibilitem a “transferência de conhecimento”, ou seja, a capacidade de aplicar conhecimentos prévios em novos contextos, com o objetivo de identificar similitudes e diferenças para agir na nova situação, gerando, portanto, adaptação a quaisquer situações inerentes às competências profissionais e as novas competências que se fizerem necessárias (BRASIL, 2014, p.16).
Essas diretrizes apontam para ações de preparo dos profissionais da área de segurança pública que busquem uma prática educativa numa perspectiva libertadora e democrática, coerente e sintonizada com a realidade.
A proposta educativa para as ações formativas dos profissionais em segurança pública exige um delineamento pedagógico diferenciado apoiado nas interações enriquecedoras, a partir da contextualização, interdisciplinaridade e da transversalidade entre os diferentes componentes (BRASIL, 2014, p. 56).
Nesse contexto, faz-se primordial o afastamento do legado ditatorial que ainda pesa sobre as forças policiais e que destoam dos princípios de educação democrática
Lança-se, assim, o desafio de construção de um caminho coletivo baseado no entendimento de que a prática pedagógica “precisa se organizar adequadamente para se traduzir em resultados de efetiva aprendizagem dos educandos, ou seja, é preciso compreender o que (conteúdo), para quem (alunos), para que (objetivos) e como ensinar (recursos)” (FERREIRA, 2018, p. 35).
No âmbito da educação policial, para os profissionais que exercem a atividade de formadores, esses desafios são sensíveis e precisam ser (re)pensados a partir do comprometimento com processos de formação efetivos, uma vez que não se pode ir para uma sala de aula como formador sem considerar “a importância da sua identidade pessoal e profissional no processo educativo” (FELDMANN, 2009, p. 78).
Logo, as ações formativas não devem buscar apenas a qualificação de um policial para atender a comunidade e desempenhar suas funções cotidianas, precisam formá-lo para que seja um ser humano melhor, com consciência ampla e capaz de intervir positivamente no meio social e profissional dos quais ele participa. Para tanto, é fundamental que esse policial-formador atue numa perspectiva dialógica.
Assim, os desafios postos a esse profissional policial que atua como formador são complexos no sentido de romper com a educação tradicional e com sua lógica alienante, pois é necessário haver compromisso com a transformação social. Coloca-se a tarefa de “compreender historicamente os processos de formação humana em suas articulações com a vida social e produtiva, as teorias e os processos pedagógicos, de modo a ser capaz de produzir conhecimento em educação e intervir de modo competente nos processos pedagógicos”(KUENZER, 1999, p. 170).
É primordial que o policial-formador (re)pense e (re)crie seu trabalho pedagógico voltando-se a projetos conscientes e críticos, pois como afirma Freire (1996, p. 7), “[...] é preciso aprender a ser coerente. De nada adianta um discurso coerente se a ação pedagógica é impermeável a mudanças”.
A análise do contexto histórico e cultural do desenvolvimento da educação no Brasil mostra que sempre houve profundos desafios a serem superados, para a oferta de um ensino de qualidade. No entanto, mais que criticar, é preciso construir caminhos reais de superação desse contexto.
Em algumas correntes pedagógicas vigentes, “a descrição e análise de situações cotidianas produziam compreensões sobre elementos presentes no cotidiano da escola, sem, no entanto, oferecer instrumentos para superá-los” (AUBERT et al., 2020, p. 10).
No debate de bases teóricas e epistemológicas que fundamentam as propostas educacionais críticas, ganha relevância e urgência a defesa de ações coerentes, consistentes e coletivas que rompam com a concepção de que basta ter o conhecimento técnico para ensinar, como apontam Alves et al (2020, p. 68):
Ter conhecimento técnico não pode ser suficiente para atuação em sala de aula, pois para ensinar bem é necessário conhecer os fundamentos dos processos didáticos que facilitam o entendimento por parte do aprendente; é preciso adquirir os elementos conceituais necessários para a reflexão sobre a função social da escola; é fundamental possuir noção, ainda que panorâmica, sobre a legislação e a literatura educacional com as concepções atuais sobre planejamento educacional, avaliação da aprendizagem, inclusão educacional e etc.
É neste contexto que o valor do preparo contínuo dos policiais-formadores de seus pares é ressaltado, uma vez que apenas a graduação inicial e a prática cotidiana não são suficientes para a reflexão crítica e problematização do fazer educacional.
Uma alternativa ao cenário posto é a busca por uma aprendizagem significativa e dialógica, entendida como superação de um modelo de escola bancária, na qual “cada pessoa participante se sinta motivada a compartilhar com o grupo o que pensou, sentiu ou questionou a partir do lido, tendo como pano de fundo o seu mundo da vida” (PEREIRA; ANDRADE, 2014, p. 23).
Nota-se que há uma mudança de visão de educação, uma vez que, como Freire (1996) pontuou, a prática pedagógica “implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.
Diante desse contexto complexo, propõe-se como caminho metodológico coerente a prática da educação dialógica, entendida como
[...] processo de criação de significados a partir de interações destinadas a aprendizagens melhores. O conhecimento se cria e se recria por meio de um diálogo orientado pelo desejo de entendimento, pela intenção de alcançar maior compreensão e quantidade de acordos possíveis sobre algum aspecto da realidade, os conteúdos de aprendizagem ensinado e a escola (AUBERT et al, 2020, p. 68).
Trata-se, portanto, de uma ação educativa baseada na interação e na comunicação entre todos os envolvidos no processo de ensino. Na sociedade fragmentada e fragmentária na qual vivemos, isso é revolucionário, transformador e urgente.
Aubert et al (2020, p.137) afirmam que
A aprendizagem dialógica é produzida em diálogos igualitários, em interações nas quais é reconhecida a inteligência cultural de todas as pessoas e que são direcionadas à transformação dos níveis prévios de conhecimento e do contexto sociocultural, de modo que seja possível avançar até o sucesso de todos e todas. A aprendizagem dialógica é produzida em interações que aumentam a aprendizagem instrumental, favorecem a criação de sentido pessoal e social, estão orientadas por princípios solidários e nas quais a igualdade e a diferença são valores compatíveis e mutuamente enriquecedores.
Depreende-se daí, os princípios basilares da aprendizagem dialógica, a saber: “diálogo igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, solidariedade e igualdade de diferenças” (PEREIRA; ANDRADE, 2014, p. 27).
Pode-se afirmar que a aprendizagem dialógica não é uma “moda” momentânea e sem fundamentação epistemológica. Ela se apresenta como um trabalho sistemático, atento à realidade de toda a comunidade escolar, comprometido com soluções viáveis às complexas dificuldades enfrentadas pelos atores escolares. Essa visão de mundo tem afinidade com a prática de uma educação humanizadora, alinhada com o desejo de transformação social estão as metodologias ativas de ensino.
Como processo educacional de construção ativa de conhecimentos, Morán (2015) define as metodologias ativas como “ponto de partida para avançar para processos mais avançados de reflexão, de integração cognitiva, de generalização, de reelaboração de novas práticas”.
Corroborando o debate sobre a necessidade de se buscar caminhos para a construção de uma aprendizagem real e contextualizada, Diesel, Baldez e Martins (2017, p. 273) entendem as metodologias ativas “como uma possibilidade de ativar o aprendizado dos estudantes, colocando-os no centro do processo, em contraponto à posição de expectador”.
Foi nessa reflexão de escolhas democráticas e participativas que a ESPC optou pela adoção de uma metodologia ativa que contribuísse com os desafios da formação policial, a aprendizagem baseada em problemas .
Amaral (2022, p.78) aponta alguns aspectos que não só fundamentam, mas justificam a utilização ABP na formação dos profissionais de segurança pública. São eles: “valorização de conhecimentos prévios; aprendizagem colaborativa; criticidade e busca pelo conhecimento”. Assim, a ABP foi inicialmente adotada no curso de especialização em Ciências Policiais.
Para Gonçalves; Gonçalves; Gonçalves (2020, p. 2), a “ABP configura-se como um método, estratégia educacional e filosofia curricular concebendo um processo de aprendizagem onde estudantes autodirigidos constroem ativamente o conhecimento”.
Os papeis dos sujeitos envolvidos na caminhada educacional são ressignificados, assim como o próprio fazer pedagógico. Os policiais-formadores atuam como tutores e mediadores do saber. Os policiais-estudantes tornam-se autônomos e responsáveis por sua trajetória. Para Ulisses e Sastre (2018, p.34), isso significa “tirar o foco do ensino e colocá-lo na aprendizagem” e para o policial que ocupa o lugar de formador na ESPC, isso significa uma mudança radical na maneira de ensinar.
De forma prática, na ABP há encontros de dinâmicas tutoriais, nos quais grupos compostos por 8 (oito) a 10 (dez) policiais-estudantes reúnem-se sob a orientação do policial-formador para analisar e discutir coletivamente uma situação-problema. Eles são guiados por passos metodológicos para alcançar os objetivos de aprendizagem propostos. Na ESPC, adotou-se o modelo criado pela Universidade de Maastricht, Holanda, 7 (sete) São eles:
1º. Esclarecer termos e conceitos desconhecidos; 2º. Identificar no problema as questões de aprendizagem; 3º. Oferecer explicações para estas questões com base no conhecimento prévio; 4º. Resumir estas explicações identificando as lacunas de conhecimento; 5º. Estabelecer objetivos de aprendizagem; 6º. Autoaprendizado; 7º. Sintetizar conhecimentos e revisar hipóteses iniciais para o problema. (TOLEDO JÚNIOR et al, 2008, p.127).
Pretende-se que pela interação em grupo, o policial-estudante seja o protagonista de sua aprendizagem, apoiado pelo formador, e que exerça sua autonomia educacional. Ulisses e Sastre (2018, p.34) afirmam que a ABP pode favorecer “a integração entre o ensino e a pesquisa [...], favorece soluções interdisciplinares [...], requer conceitos mais atuais [...], atualiza os professores [...], favorece a criticidade e a inovação [...], as habilidades de comunicação [...], o aprendizado eficaz [...] e cria um entorno social”.
Nessa metodologia, o trabalho pedagógico é organizado a partir de problemas e situações reais, idênticos aos que os alunos vivenciarão na vida profissional [...] (MORÁN, 2015, p.19). Assim sendo, na ABP, o processo de construção do conhecimento ocorre por meio de debate e pesquisa de soluções para um problema, que é
uma situação complexa que não possui apenas uma resposta considerada certa; não tem somente uma solução possível. Os problemas espelham o mundo real, por isso as informações sobre o problema são muitas vezes conflitantes, não devendo estar arrumadas para facilitar o entendimento (LOPES; SILVA FILHO, 2019, p. 54).
Dessa forma, delineia-se uma transformação de paradigmas que propõe uma aproximação entre o que é teorizado em sala de aula e o que se vivencia cotidianamente nos espaços policiais na busca pela ressiginificação no processo de formação humana.
3. METODOLOGIA
Nessa pesquisa, optou-se pela abordagem qualitativa, uma vez que nela “a interpretação do fenômeno estudado pode ser realizada a partir de diferentes ângulos, utilizando diferentes instrumentos de forma a comparar os dados obtidos” (MOTTA-ROTH, 2010, p.113).
O problema de pesquisa emanou da vivência laboral da pesquisadora, que envolve o trabalho com os policiais que atuam na capacitação de seus pares, mas que não possuem formação pedagógica aprofundada para essa atividade. Por esse contexto, entendeu-se que a pesquisa-ação é a metodologia mais adequada à investigação, uma vez que
[...] além de compreender, visa intervir na situação, com vistas a modificá-la. O conhecimento visado articula-se a uma finalidade intencional de alteração da situação pesquisada. Assim, ao mesmo tempo que realiza um diagnóstico e a análise de uma determinada situação, a pesquisa-ação propõe ao conjunto de sujeitos envolvidos mudanças que levem a um aprimoramento das práticas analisadas (SEVERINO, 2007, p. 91).
A partir do modelo procedimental da pesquisa-ação proposto por Barbier (2007, p.122), foi realizada uma adaptação à realidade investigada, considerando, no campo do objeto abordado, o seguinte problema de pesquisa: como a oferta de formação pedagógica aos policiais que atuam como policiais-formadores no programa de Pós-graduação lato sensu da ESPC, caracterizado como educação profissional e tecnológica, pode contribuir para o alcance de uma prática dialógica, a partir da Aprendizagem Baseada em Problemas?
Quanto ao objeto co-construído, ressalta-se que o locus da pesquisa foi a ESPC e os participantes, os policiais-formadores. Essa fase teve o objetivo de diagnosticar as dificuldades de atuação e das carências de formação pedagógica em ABP.
Assim sendo, foi elaborado um questionário que visou mapear as carências e fragilidades na utilização da metodologia ABP. O questionário foi composto por duas seções, sendo que a primeira foi constituída por questões fechadas voltadas a traçar o perfil formadores e a segunda parte, com questões fechadas e abertas, captaram as demandas e necessidades de formação em ABP.
O questionário foi encaminhado via Google Forms e permaneceu aberto no período de 07/02/2022 a 14/02/2022. Dos cento e cinquenta e seis policiais-formadores, sessenta e nove responderam ao questionário.
4. RESULTADOS
Será apresentada a seguir a reflexão sobre as informações levantadas com a aplicação do questionário descrito no item 5 deste estudo. Esta análise será divida em duas partes principais. A primeira se destina a mostrar o perfil dos participantes da pesquisa e a na segunda, serão identificadas fragilidades e lacunas na formação para o trabalho pedagógico com a metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP).
4.1 Perfil do policial-formador
Em relação ao perfil dos policiais-formadores que responderam ao questionário (69 participantes), foi possível constatar que eles têm entre 30 e 55 anos, sendo que 59% está entre 41 e 50 anos. Outro dado relevante é que 51 são homens e 18 são mulheres.
Esse dado revela que a presença masculina nas forças policiais ainda é preponderante, porém “as mulheres têm conquistado cada vez mais espaço no mercado de trabalho, notadamente em atividades tradicionalmente masculinas” (LOCATELLI, et al 2013, p. 10).
Além disso, Brasil (2008) reafirma a necessidade da “desconstrução e/ou (re)significação dos papeis tradicionalmente atribuídos ao gênero feminino, quando assumem e de identificam com a atividade fim da polícia civil” (p. 140).
Quanto a atividade exercida na Polícia Civil do DF, 52% dos participantes da pesquisa atuam na área policial fim e 48% exercem suas atividades profissionais em áreas administrativas. Portanto, há um equilíbrio em relação à lotação desses policiais que propicia a diversidade de experiências policiais e traz contribuições de ambos os campos de intervenção policial para a atividade formadora na ESPC, o que privilegia o caráter interdisciplinar e global do conhecimento produzido em termos de ciências policiais.
É fundamental elucidar que a área policial fim se caracteriza pelo trabalho desenvolvido em delegacias e unidades policiais que atuam diretamente na investigação dos atos criminosos e na produção de provas que indiquem suas autorias. E a atividade meio são aquelas desenvolvidas nas esferas administrativas que dão suporte logístico, instrumental e de capacitação profissional, dentre outros, à função de atividade fim.
Essa categorização está relacionada ao disposto no Art.144, da Constituição Federal de 1988 que determina como função finalística da Polícia Civil a apuração da materialidade e da autoria de crimes, à luz do código penal e do arcabouço jurídico pertinente. Trata-se, portanto, de uma atribuição repressiva (BRASIL, 1988).
Quanto a abordagem temática desenvolvida pelos policiais-formadores nos cursos da ESPC, encontramos o seguinte resultado: Docência Policial: 36 participantes (51%); Gestão da PCDF: 6 participantes (8,7%); Investigação Policial: 5 participantes (7,2%); Perícia Criminal: 5 participantes (7,2%); Polícia Comunitária: 4 participantes (5,8); Técnicas de Imobilização e Defesa Pessoal: 3 participantes (4,3%); Instrumental Policial: 2 participantes (2,8%); Técnicas Operacionais da Ação Policial: 2 participantes (2,8%); Inteligência Policial: 1 participante (1,4%); Papiloscopia Policial: 1 participante (1,4%); Sistema de Segurança pública: 1 participante (1,4%); Especialização UnB SSP: 1 participante (1,4%) e Medicina Legal: 1 participante (1,4%)
Essas áreas de atuação referem-se ao cargo ocupado e a temática/expertise profissional desenvolvida na ESPC em função da local de lotação do servidor, seja ela atividade policial fim ou meio.
Assim, o policial que exerce uma determinada atividade acaba sendo convidado a atuar na formação dos seus pares. Tal fato é alertado por Saviani (2009) como sendo equivocado, uma vez que a formação pedagógico-didática não virá em decorrência do domínio dos conteúdos do conhecimento e nem será adquirida na própria prática docente ou mediante mecanismos do tipo “treinamento em serviço”
Quanto à formação acadêmica dos participantes, destaca-se que 9% são graduados, 74% são especialistas, 14% são mestres, 3% são doutores. Como instituição de ensino superior, credenciada junto ao Sistema Distrital de Educação, possui a atribuição de incentivar o preparo acadêmico dos policiais-formadores. Sobre a importância dessa formação contínua, Libâneo (1999) alerta que “o desenvolvimento profissional envolve formação inicial e contínua articuladas a um processo de valorização identitária e profissional dos professores”.
Dos participantes, 17% possuem titulação acadêmica stricto senso, fato que representa o desafio da Escola em estimular e/ou promover meios de qualificação de seu corpo formador em nível stricto sensu, a fim de resguardar o caráter voltado à pesquisa, ensino e extensão característico de uma instituição de ensino superior.
Quanto à área de graduação acadêmica dos policiais-formadores, categorizadas pelas áreas do conhecimento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes): Ciências Sociais Aplicadas: 47 participantes; Ciências Humanas: 8 participantes; Ciências exatas e da Terra: 7 participantes; Ciências da Saúde: 6 participantes; Ciências Agrárias: 3 participantes; Linguística, Letras e Artes: 3 participantes; Engenharias: 2 participantes e Ciências biológicas: 1 participante
Destaca-se que os policiais-formadores que atuam na ESPC são oriundos das mais diversas áreas do conhecimento, com predominância em Ciências Sociais Aplicadas, sendo que 38 (trinta e oito) são formados em Direito.
Uma vez que não foi possível identificar quantos participantes são bacharéis ou licenciados, infere-se que o quantitativo de policiais-formadores que possuem alguma formação pedagógica é pequeno.
Para Pachane (2004), essa realidade é preocupante para uma atuação voltada à docência que prima pela sua qualidade pedagógica, pois essa formação “ tem se concentrado no conhecimento aprofundado de determinado conteúdo, seja ele prático (decorrente do exercício profissional) ou teórico/epistemológico (decorrente do exercício acadêmico). Pouco, ou nada, tem sido exigido em termos pedagógico.”.
Quanto ao tempo de exercício na Polícia Civil do DF, 52% dos participantes informaram que atuam a menos de três anos; 22% têm atuação entre três e cinco anos; 13% têm atuação entre cinco e dez anos; 13% atuam a mais de dez anos.
Nota-se que a maior parte do corpo de formadores possui pouco tempo de exercício na docência da ESPC. Infere-se que é na fase inicial do trabalho como formador que o policial mais precisará de uma sólida formação de modo a constituir as bases que nortearão seu trabalho na ESPC, uma vez que, para Pimenta (1996) a docência
se constrói a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos siginificados sociais da profissão; da revisão das tradições[...] pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor.
Portanto, é fundamental que a ESPC fomente espaços de ação coletiva, planejada e contínua relativas à atuação do policial-formador, bem como a construção de uma identidade como tal, aproximando-se dos princípios de uma educação significativa.
Em relação à prática de realização de cursos para o fortalecimento da formação pedagógica, 78% dos participantes afirmaram que costumam fazer cursos e 22% afirmaram não fazer. Assim, mesmo sendo um percentual menor, não se pode desconsiderar o número de formadores que não buscam qualificação na área pedagógica, pois pode dificultar a criação do sentido de pertencimento a um trabalho que envolve a docência. Libâneo (1999, p. 260), ao tratar da formação dos docentes afirma que “o desenvolvimento profissional envolve formação inicial e contínua articuladas a um processo de valorização identitária e profissional” e consideramos que isso se aplica ao caso da ESPC.
No que tange a periodicidade de participação em capacitações voltadas a área pedagógica, 15% apontaram fazerem cursos semestralmente, 57% dos participantes afirmaram que fazem cursos anualmente; 28% responderam que a frequência é eventual e/ou em períodos superiores a um ano.
Esses elementos apontam para a necessidade de que a participação em capacitações pedagógicas seja incentivada de forma a favorecer não só uma reflexão crítica sobre a prática, mas também uma oportunidade de conhecer novas metodologias e compartilhar vivências pois, como afirma Freire (1996, p. 21), “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Dessa forma, o corpo de formadores da ESPC caminhará de forma mais fundamentada e contextualizada com a literatura científica.
4.2 Fragilidades e lacunas na formação para o trabalho pedagógico com ABP
No questionário, foi perguntado aos formadores sobre a percepção deles em relação a prática pedagógica desenvolvida com a ABP. Por ser uma questão fechada, foi adotada para escolha das respostas a escala de Likert com cinco pontos, variando de “concordo plenamente” a “discordo plenamente”. A síntese dessa questão está representada no Quadro 12.
Critério | Indicador | ||||
Concordo plenamente | Concordo parcialmente | Não concordo, nem discordo | Discordo parcialmente | Discordo plenamente | |
Conheço a proposta pedagógica de formação policial da Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal. | 36 | 26 | 3 | 3 | 1 |
Estou pedagogicamente preparado para atuar como docente em ABP. | 28 | 33 | 4 | 3 | 1 |
Estou apto a desenvolver a minha prática docente com a metodologia Aprendizagem Baseada em Problemas. | 33 | 26 | 6 | 6 | 1 |
Em relação à questão “conheço a proposta pedagógica de formação policial da Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal”, 36 formadores afirmaram conhecer plenamente e 26 parcialmente. Esse número é positivamente significativo, uma vez que é fundamental que o policial-formador conheça a proposta pedagógica da ESPC, pois ela “vai além de um simples agrupamento de planos de ensino e de atividades diversas [...]. Ele é constituído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da escola”. (VEIGA, 1998, p. 1).
Nota-se que o projeto político-pedagógico é um importante documento, pois envolve a construção coletiva pautada no processo de reflexão para a superação dos problemas da escola.
É basilar que os policiais-formadores possam participar de sua elaboração e desenvolvimento, fundamentando seu trabalho da ESPC numa educação pautada nos princípios precípuos da escola buscando uma educação democrática e crítica.
Quanto às questões “estou pedagogicamente preparado para atuar como docente em ABP” e “estou apto a desenvolver a minha prática docente com a metodologia Aprendizagem Baseada em Problemas”, 28 e 33 policiais-formadores afirmaram, respectivamente, estarem plenamente preparados. Esse dado representa um percentual considerável, se considerado o grau de inovação que representa essa metodologia quanto ao grau de inovação na formação policial.
Infere-se que estar pedagogicamente preparado para atuar com a ABP indica que o policial-formador dispõe das ferramentas conceituais e técnicas que possam auxiliar na prática de uma educação humanizada e reflexiva, uma vez que estes são preceitos da ABP. Portanto, é fundamental que processos de formação ocorram de forma regular, como a oferta, seja contextualizada e em diálogo com as demandas sociais atuais.
Porém, ainda há um percentual considerável de policiais-formadores que não estão plenamente seguros para trabalhar com a ABP. A Matriz da Senasp aponta para a relevância da realização de novas ações de formação que visem aprofundar o preparo do formador para que ele seja capaz de primar por uma
abordagem curricular pautada pela inclusão da problematização, tendo as metodologias de ensino ativo como modelos de referência para gerar situações de aprendizagem que possibilitem a “transferência de conhecimento”, ou seja, a capacidade de aplicar conhecimentos prévios em novos contextos, com o objetivo de identificar similitudes e diferenças para agir na nova situação, gerando, portanto, adaptação a quaisquer situações inerentes às competências profissionais e as novas competências que se fizerem necessárias (BRASIL, 2014, p. 16).
Também foi perguntado aos formadores quais temáticas pedagógicas gostariam que fossem tratadas num curso intermediário em Aprendizagem Baseada em Problemas, uma vez que os policiais-formadores que participaram da pesquisa possuem apenas o curso básico de formação de tutores em ABP. Os aspectos levantados nessa questão foram tratados à luz da análise de conteúdo, conforme aponta Bardin (2016).
Foi realizada a pré-análise por meio da leitura flutuante das respostas com a finalidade de organização das informações iniciais. Na fase de exploração do material, foram utilizadas a codificação, categorização e inferência dos resultados, com o intuito de fundamentar as decisões tomadas no momento anterior. As palavras selecionadas para nomear o corpus da pesquisa, bem como as categorias e subcategorias de análise, tiveram como norteadores teóricos as contribuições de Freitas (1995).
Para Freitas (2009), o trabalho pedagógico, numa perspectiva crítica, deve distanciar-se da estrutura linear no qual a aprendizagem ocorre primeiro e apenas ao final é possível verificá-la. Visto de forma dinâmica, as categorias do trabalho pedagógico colaboram para que o processo de ensino-aprendizagem possa ser organizado em dois grandes eixos dialéticos, a saber: objetivos/avaliação e conteúdo/método.
Assim sendo, a partir das respostas dos participantes quanto à necessidade de formação em ABP, foram estabelecidas as categorias relacionadas na Figura 3.
O corpus da questão foi denominado “organização do trabalho pedagógico em ABP” e dele emanam as categorias objetivos/avaliação e conteúdo/método.
Na categoria objetivos/avaliação foram identificadas dificuldades com a utilização de conceitos, processos e instrumentos de avaliação das aprendizagens, segundo os preceitos da ABP. Essa organização se deu por Freitas atribuir aos objetivos e à avaliação a orientação do trabalho pedagógico, ao afirmar que “os objetivos permanecem embutidos na situação de ensino-aprendizagem e na própria avaliação [...] é a avaliação que define se ele terá ou não acesso a mais conteúdo e a qual conteúdo” (FREITAS, 1995, p. 15-16).
Nota-se nas respostas dos policiais-formadores um leque de temas pedagógicos relativos à avaliação a serem aprofundadas em um curso de nível intermediário em ABP, bem como as lacunas de conhecimento quanto ao desenvolvimento e verificação de competências.
Destaca-se que a ABP objetiva o desenvolvimento de competências cognitivas, atitudinais e socioemocionais. Percebe-se, dessa forma, uma preocupação do policial-formador no momento de acompanhar e/ou avaliar se o estudante desenvolveu as habilidades e competências descritas no projeto político-pedagógico do curso. Essa dimensão também implica a necessidade de aprofundamento em questões dos processos de avaliação. O Quadro 13 apresenta essas temáticas.
Participante | Tema sugerido |
Policial-formador 2 | Avaliação e desenvolvimento de situações-problemas |
Policial-formador 19 | Avaliação dos corpos docentes e discentes |
Policial-formador 39 | Avaliação no contexto da ABP |
Policial-formador 26 | Avaliação formativa e docência |
Policial-formador 5 | Competências |
Policial-formador 14 | Formulação de situações-problema, aprofundamento no mapeamento de competências, condução dos alunos em direção aos objetivos de aprendizagem. |
Policial-formador 51 | Desenvolvimento de situações-problemas a serem trabalhadas; Avaliação dos trabalhos de forma justa; desenvolvimento de novas competências para o bom desempenho do tutor. |
Na categoria conteúdos/métodos foram mapeadas as necessidades de aprofundamento no domínio teórico-prático, utilização de técnicas e ferramentas, bem como na articulação dos temas, princípios e práticas da ABP; papel do tutor; elaboração de situações-problemas e realização de transposição curricular. Justifica-se a relevância dessa categoria, pois “os conteúdos e o nível de domínio destes, projetados pelos objetivos, permitem extrair as situações que possibilitarão ao aluno demonstrar seu desenvolvimento” (FREITAS, 1995, p. 15-16).
Dessa forma, os elementos que compõem essa categoria podem colaborar para que o policial-formador efetive os propósitos de uma ação educativa que busque auxiliar os policiais-estudantes a construírem conhecimentos a partir de situações emanadas do cotidiano do trabalho, conforme pressupõe a ABP.
O Quadro 14 apresenta essas temáticas.
Participante | Tema sugerido |
Policial-formador 4 | Doutrina e correntes filosóficas da ABP |
Policial-formador 41 | Aplicação da ABP na prática policial, em especial na atividade fim |
Policial-formador 46 | Como incentivar o aprendizado dos estudantes |
Os resultados dessa categoria são importantes na formação do policial-formador porque indicam a necessidade de aprofundamento nos aspectos fundamentais da ABP, isto é, aspectos procedimentais e da aplicação prática da metodologia que precisam estar evidentes para quem conduz o processo de aprendizagem, sob o risco de descaracterização de seus princípios.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo foi analisar a percepção dos policiais-formadores que atuam no curso de especialização em Ciências Policias com foco na atuação da polícia jurídica, ofertado pela Escola Superior de Polícia Civil do Distrito Federal (ESPC), sobre seus conhecimentos para a utilização da metodologia ativa Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP).
A análise dos resultados apontou para a necessidade de ações formativas que permitam a continuidade do desenvolvimento de competências técnicas para a utilização da ABP, bem como para a importância do fortalecimento das bases pedagógicas de uma ação educacional pautada pelos princípios da aprendizagem dialógica.
A consciência da incompletude da formação em ABP é, por si só, inquietante e impulsionadora de uma ação pedagógica inovadora que se inicia no formador e alcança os policiais em formação, ressignificando o processo de construção do conhecimento.
Freire (1996, p. 29) afirma ainda que “a conscientização é exigência humana, é um dos caminhos para a posta em prática da curiosidade epistemológica. Em lugar de estranha, a conscientização é natural ao ser que, inacabado, se sabe inacabado”. Assim, sugere-se a realização de ações formativas voltadas a utilização da metodologia ABP na educação policial.
Infere-se que fortalecer a formação em ABP é construir conhecimentos voltados aos princípios promotores de uma educação emancipatória que, de acordo com Saul (2008, p.21), “está comprometida com o futuro, com o que se pretende transformar, a partir do autoconhecimento crítico do concreto, do real, que possibilita a clarificação de alternativas para a revisão desse real”.
Destaca-se que a dimensão da emancipação é um horizonte, uma perspectiva de atuação que deve ser construída de forma contínua e que não se cumpre em sua totalidade, mas é um “vir a ser” contínuo no qual o diálogo acerca dos problemas do cotidiano dos sujeitos está a serviço da tomada de consciência de suas realidades (FREIRE, 1996).
O fortalecimento da cultura de formação dos profissionais-formadores pode contribuir para o alcançe da visão institucional da ESPC, pois para “ser referência nacional como instituição de ensino superior, no campo das Ciências Policiais, com a promoção de práticas educacionais que permitam o aprimoramento do desempenho das funções de polícia judiciária e do exercício da cidadania” é fundamental que a instituição conte com um corpo de professores bem qualificados tanto na área técnica quanto na pedagógica (BRASÍLIA, 2021, p.14).
Assim, destaca-se que a relevância deste estudo consiste no potencial de contribuição para a política de valorização da formação pedagógica dos policiais-formadores, por meio do fomento a uma prática educativa contextualizada e dialógica, materializada por intermédio da Aprendizagem Baseada em Problemas.
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