Indicações políticas como genêsis de corrupção sistêmica e organização criminosa endógena no serviço público: estudo de casos das operações alvorecer, térmita e terra de ninguém da polícia federal
Conteúdo do artigo principal
Resumo
O clientelismo é uma prática histórica no Brasil, que remonta ao antigo regime português, mas que perdura até os dias atuais. As relações patrão-cliente, bem como a prática da patronagem na distribuição de recursos públicos geram relações de confiança que visam, em última análise, atender interesses políticos, de aumento de apoio ou de base eleitoral. Os recursos (destinação de verbas, decisões favoráveis, serviços etc.) passam a ser tratados como benefícios a serem concedidos em trocas, perdendo-se a noção de que a sua aplicação deveria ser sempre guiada pelo interesse público. As duas circunstâncias referidas criam o ambiente favorável para a instalação de uma corrupção endêmica. O combate à corrupção, por sua vez, tem avançado, sendo o Brasil signatário de tratados internacionais contra a corrupção e combate às organizações criminosas. No campo doutrinário, tem-se a consolidação dos entendimentos de que a vantagem indevida pode ter qualquer natureza, não se restringindo às patrimoniais e da desnecessidade de identificação de ato de ofício para o crime de corrupção passiva, o qual, inclusive, não necessita estar dentro do rol das competências do funcionário público. Constata-se, também, a evolução das formas de organizações criminosas, deixando a hierarquia de ser uma caraterística essencial, e reconhecendo-se a existência de organizações criminosas estruturadas em forma de rede, ainda que endógenas. A indicação política para preenchimento de cargos públicos pode ser baseada no interesse público, quando realizadas para atender promessas e ideais pelos quais os políticos foram eleitos, mas pode ser deturpada e usada como benefício pessoal, quando a pessoa indicada sabe que terá que atender pedidos dos responsáveis pelas respectivas indicações. Neste segundo cenário, a indicação para o cargo público passa a ser uma troca cuja contrapartida será o atendimento de solicitação futuras, caracterizando assim a corrupção e proporcionado ambiente favorável ao surgimento de corrupção endêmica e organização criminosa endógena, como se observa no estudo de caso das operações especiais de polícia judiciária Alvorecer, Térmita e Terra de Ninguém da Polícia Federal.
Detalhes do artigo
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.
O periódico tem direito de exclusividade sobre a primeira publicação, impressa e/ou digital, deste texto acadêmico, o que não afeta os direitos autorais do(s) responsável(eis) pela pesquisa.
A reprodução (integral ou parcial), do material publicado depende da expressa menção a este periódico como origem, mediante citação do volume, número da edição e do link DOI para referência cruzada. Para fins de direitos, deve ser consignada a fonte de publicação original.
A utilização dos resultados aqui publicados em outros veículos de divulgação científica, ainda que pelos autores, depende de expressa indicação deste periódico como meio de publicação original, sob pena de caracterizar situação de auto-plágio.
____________________________________________
Informações adicionais e declarações de autoria
(integridade científica)
Declaração de conflito de interesse: A autoria confirma não haver conflitos de interesse na condução desta pesquisa e escrita deste artigo.
Declaração de autoria: Todos e apenas os pesquisadores que atendem os requisitos de autoria deste artigo são listados como autores; todos os coautores são integralmente responsáveis por este trabalho em sua inteireza.
Declaração de originalidade: A autoria assegura que o texto aqui publicado não foi previamente divulgado em qualquer outro local e que a futura republicação apenas será feita com expressa referência ao local original de publicação; também atesta que não há plágio de material de terceiros ou autoplágio.
____________________________________________
Arquivamento e distribuição
É permitido o arquivamento do PDF final publicado, sem restrições, em qualquer servidor de acesso aberto, indexador, repositório ou página pessoal, a exemplo do Academia.edu e ResearchGate.
Como Citar
Referências
ABADINSKY, Howard. Organized crime. 9. ed. Belmont (CA): Wadsworth Cengage Learning, 2009.
ANSELMO, Marcio Adriano; BUSNELLO, Priscila de Castro; CASTRO, Tony Gean Barbosa de. O dever de combater a corrupção: instituições fortalecidas e engajamento da sociedade civil fazem toda a diferença. O Globo, 16 de dezembro de 2019. (versão digital) Acesso em: 16 nov. 2020.
ANSELMO, Márcio; PONTES, Jorge. Crime.gov: quando corrupção e governo se misturam. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Convenção Interamericana contra a Corrupção. 1. ed. Brasília: CGU, 2007. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/articulacao-internacional-1/convencao-da-oea/documentos-relevantes/arquivos/cartilha-oea. Acesso em: 18 nov. 2020.
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Convenção da OCDE sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais Brasília, 2007. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-ocde/arquivos/cartilha_com-marca.pdf. Acesso em: 18 nov. 2021.
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Convenção Interamericana contra a Corrpção. 2007. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-oea/documentos-relevantes/arquivos/cartilha-oea. Acesso em: 18 nov. 2021.
BRASIL. Decreto n. 4.410, de 7 de outubro de 2002. Promulga a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 29 de março de 1996, com reserva para o art. XI, parágrafo 1º, inciso “c”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4410.htm. Acesso em: 17 nov. 2020.
BRASIL. Decreto n. 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%205.687%2C%20DE%2031,9%20de%20dezembro%20de%202003. Acesso em: 17 nov. 2020.
BRASIL. Decreto n. 9.727, de 15 de março de 2019. Dispõe sobre os critérios, o perfil profissional e os procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS e das Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE. isponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9727.htm. Acesso em: 24 abr. 2021.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 10. ed. São Paulo. Saraiva Educação, 2019. (Livro digital)
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 24 abr. 2021.
CUNHA, Alexandre Mendes. Patronagem, clientelismo e redes clientelares: a aparente duração alargada de um mesmo conceito na história política brasileira. História, Franca, v. 25, n. 1, p. 226-247, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742006000100011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 24 abr. 2021.
DAMASCENO, Caroline. A teoria da captura e a necessidade de independência das agências reguladoras no Brasil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 24, n. 5871, 29 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63727. Acesso em: 12 mar. 2021.
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Crime organizado: origens desenvolvimento e reflexos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2018.
FARIAS, Francisco Pereira de. Clientelismo e democracia capitalista: elementos para uma abordagem alternativa. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 15, p. 49-66, nov. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782000000200004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 9 mar. 2021.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Corrupção e democracia. Revista de Direito Administrativo, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, v. 226, p. 213-218. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47241/44651.%20%20Acesso%2024%20abril%202021. Acesso em: 20 abr. 2021.
FERRO, Ana Luiza Almeida. O crime organizado e as organizações criminosas: conceito, características, aspectos criminológicos e sugestões político-criminais. 2006. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
FILGUEIRAS, Fernando. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social. Opinião Pública, Campinas, v. 15, n. 2, p. 386-421, nov. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762009000200005&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 9 maio 2021.
FONTELLA, Bibiana. A corrupção passiva e a alteração interpretativa jurisprudencial acerca da (des)necessidade do ato de ofício. 2020. Disponível em https://ibdpe.com.br/corrupcao-ato-de-oficio. Acesso em: 19 ago. 2021.
GOLDEN, Miriam. Political patronage, bureaucracy and corruption in postwar Italy. Ponencia presentada en la reunión anual de APSA, Washington (versión 1.3) Department of Political Science, University of California at Los Angeles. 2000 Disponível em: https://www.russellsage.org/sites/all/files/u4/Golden_Political%20Patronage,%20Bureaucracy,%20&%20Corruption%20in%20Postwar%20Italy.pdf. Acesso em: 24 abr. 2021.
GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. Niterói (RJ): Impetus, 2017.
(e-book).
JOHNSTON, Michael. Agentes públicos, interesses particulares e democracia sustentável: quando política e corrupção se unem. In: JOHNSTON, Michael.
A corrupção e a economia global. Brasilia: UnB, 2002. p. 103-134.
GODOY, Luiz Roberto Ungaretti de Godoy. Crime organizado e seu tratamento jurídico-penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 3. ed. Nitérói(RJ): Impetus, 2007. v. IV.
GREEN, Penny; WARD, Tony. State crime: governmemts, violence and corruption. Londres: Pluto Press, 2004.
LAGUNES, Paul F. Corruption’s challenge to democracy: a review of the issues. Politics & Policy, Wiley Periodicals, v. 40, n. 5, 802-826, 2012. Disponível em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1747-1346.2012.00384.x?casa_token=5-4Hyo58wQIAAAAA%3AwCbFG_DTC1Yz-V3rDF2Kpca_iJDH7NKnldLJWY9Zsc4v_JWxiE6V2u4-feShZRRMgTF28pU24NNJ3QQeGQ. Acesso em: 13 set 2021.
LENARDÃO, Elsio. O clientelismo político no Brasil contemporâneo: algumas razões de sua sobrevivência. 2006. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/106281. Acesso em: 5 out. 2021.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MINGARDI, Guaracy. O trabalho da inteligência no controle do crime organizado. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, 2007, p. 51-69. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10266. Acesso em: 5 mar. 2021.
MOESCH, Frederico Fernandes. A efetividade dos tratados multilaterais contra a corrupção ratificados pelo Brasil e as contribuições da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). Cooperação em Pauta, n. 42, ago. 2018. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/institucional-2/publicacoes/cooperacao-em-pauta/2018/cooperacao-em-pauta-n42.pdf. Acesso em: 17 nov. 2020.
ONU. United Nations global program against transnational organized crime: results of a pilot survey of forty selected organized criminal groups in sixteen countries. United Nations: Office on Drugs and Crime. Setembro, 2002. Disponível em https://www.unodc.org/pdf/crime/publications/Pilot_survey.pdf . Acesso em: 12 ago. 2021.
NOTARI, Marcio Bonini. As convenções internacionaisratificadas pelo Brasil no combate a corrupção. Revista de Direito Internacional e Globalização Econômica,
v. 1, n. 1, p. 60-77, jan./jun. 2017. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/DIGE/article/view/32771. Acesso em: 16 nov. 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 17. ed. rev., atual. e ampl.
Rio de Janeiro: Forense, 2017. (Publicação digital)
PAOLI, Letizia; BEKEN, Tom Vander. Organized crime a contested conceptin. In: COLIN, Atkinson; PAOLI, Letizia (ed.). The oxford handbook of organized crime. Oxford (UK): Oxford University Press, 2014. p. 13-31.
ROTHSTEIN, Bo; VARRAICH, Aiysha. Corruption and the opposite to corruption: a map of the conceptual landscape. 2014. Disponível em: https://anticorrp.eu/wp-content/uploads/2014/12/D1.1_Part1_Corruption-and-the-Opposite-to-Corruption.pdf. Acesso 25 abr 2021.
SANTOS, Célio Jacinto dos. A gênese das grandes operações investigativas da polícia federal. Revista Brasileira de Ciências Policiais, Brasília, v. 8, n. 2, p. 11-68, jul./dez. 2017. Disponível em: https://periodicos.pf.gov.br/index.php/RBCP/article/view/526. Acesso em: 19 set. 2021.
SANTOS, Fabiano Patronagem e Poder de Agenda na Política Brasileira. Dados [online]. 1997, v. 40, n. 3. pp. 465-491. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300007&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 20 abr. 2021.
SANTOS, Marlon Oliveira Cajado dos. Corrupção política: a possibilidade de enquadramento da mercancia da influência política nos crimes de corrupção passiva e ativa. Revista Brasileira de Ciências Policiais, Brasília, v. 10, n. 1 jan./jun. 2019, p. 213-249. Acesso em: 1 mar. 2021. Disponível em: https://periodicos.pf.gov.br/index.php/RBCP/article/view/630. Acesso em: 5 abr. 2021.
SUTHERLAND, Edwin H. White collar crime: the uncut version. London: Yale University Press, 1983.
SUTHERLAND, Edwin H.; CRESSEY, Donald R. Criminology. 10. ed. rev. Filadélfia (NY) / São José (TO): J.B. Lippincott Company, 1978.
WERNER, Guilherme Cunha. O crime organizado transnacional e as redes criminosas: presença e influência nas relações internacionais contemporâneas. 2009.
Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-04092009-163835/publico/GUILHERME_CUNHA_WERNER.pdf . Acesso em: 19 set. 2021.
WERNER, Guilherme Cunha. Teoria interpretativa das organizações criminosas: conceito e tipologia. In: Pereira, E.S; Barbosa, E.S. (org.) Organizações criminosas: teoria e hermenêutica da Lei n. 12.850/2013. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2015. p. 47-80.
WERNER, Guilherme Cunha. Cleptocracia: corrupção sistêmica e criminalidade organizada. PEREIRA, E.S. et al. Criminalidade organizada: investigação, direito e ciência. São Paulo: Almedina, 2017(a). p. 17-78.
WERNER, Guilherme Cunha. As teorias comportamentais aplicadas ao estudo da corrupção no Brasil: o que leva o agente político a se corromper?. Revista Fórum de Ciências Criminais (RFCC), v. 4, n. 8, p. 183-218, jul./dez. 2017(b).